Mudamos o mundo todos os dias. A qualquer hora. Sem censura. Amarga ou doce. Com ou sem o primeiro gomo de tangerina.

Monday, April 04, 2005

Ciao Karol




Ajudou a destruir o comunismo. Abriu uma fenda na cortina de ferro que não mais se fecharia. Seguiu pela esquerda e pela direita. Sempre com convição. Foi um diplomata, um político, um viajante, um homem carismático, um atleta, actor, um grande escritor.

Com João Paulo II, o número de fiéis quase duplicou. Não na Europa - que já não é o centro do mundo mas ainda não sabe -, mas no resto do Globo, com particular incidência na América Latina.

Foram sempre os jovens que mais o perceberam: pediu mais do que sabia ser possível cumprir. Sempre tolerante com quem não atingia as suas metas, nunca desistiu. Arrastou multidões e reuniu, com os mais jovens, a maior manifestação de sempre com cerca de dois milhões de pessoas. Pela primeira vez, o Vaticano abriu-se ao mundo. E o Papa viajou anunciando a Boa Nova, como pedem as Sagradas Escrituras.

Lutou contra o comunismo como bispo, cardeal e Papa. Fugiu dos nazis enquanto novo. Ao lado de Reagan lutou contra Moscovo. E venceu.

Travou uma cruzado em termos morais pedindo o infinito, para que as pessoas lhe dessem apenas o que o ser humano é capaz. Na sua infinita bondade não julgou ninguém.

Na hora da morte fez um «statement» público e televisionado contra a eutanásia, provando ser possível morrer com dignidade longe do Hospital, apesar da assistência médica. Naquilo que estava convicto - e no muito com que eu não concordo - foi teimoso, obstinado, inflexível. Deixou obra, fez teologia, escreveu para a posterioridade. Será feito Santo, espero.

Mesmo entre os críticos, como a jornalista francesa Constance Colonna-Cesari, a sua obra não deixa ninguém indiferente: «Logo depois de ter esmagado o dragão marxista e de ter ido celebrar a vitória na Checoslováquia, lembrando, a 21 de Abril de 1990, "que o comunismo procurara destruir o cristianismo", foi contra o capitalismo que João Paulo II se voltou», com a publicação no ano seguinte da encíclica «Centesimus Annus». Atrapalha-se a colaboradora do Libération, em «Urbi et Orbi - A geopolítica do Vaticano» (ed. Caminho, 1993, pp. 104-105): «Daí se deduz em geral que este Papa tanto sopra do lado quente como do lado frio, que a Igreja se volta, atrás dele, ora para a direita, ora para a esquerda, dá um salto em frente e depois dez passos atrás». A conclusão de Colonna-Cesari é aquela que se extrai da leitura da obra de Wojtyla: «Se João Paulo II não pode ser classificado [...], é porque o caminho dele é mesmo uma terceira via». E a autora lembra um discurso do Papa na sua primeira viagem, em Puebla (México): «Não é necessário recorrer a sistemas e ideologias para contribuir para a justiça porque a Igreja possui, graças ao Evangelho, a verdade sobre o Homem».


_______________________

Karol Wojtyla foi eleito Papa a 16 de Outubro de 1978, iniciando seis dias depois o terceiro mais longo pontificado da história da Igreja Católica. Os 26 anos em que chefiou o Vaticano ficam marcados pelas inúmeras viagens, pelo ecumenismo e pela abertura a um mundo em convulsão.Wojtyla nasceu a 18 de Maio de 1920 em Wadowice, nos arredores de Cracóvia, tendo perdido a mãe quando tinha apenas oito anos.

Com a invasão da Polónia pelas tropas nazis, em 1939, a Universidade de Cracóvia, onde estudava filosofia, é encerrada e três anos depois inicia, em segredo, os estudos se para tornar padre.
Ordenado em 1946, Wojtyla viaja para Roma para completar os seus estudos, tornando-se, doze anos depois, o mais jovem bispo polaco.

Em 1964 é promovido a arcebispo de Cracóvia e, três anos depois, é feito cardeal pelo então Papa Paulo VI.Apesar da rápida ascensão na hierarquia da Igreja polaca, a sua nomeação para o cargo mais alto da Igreja Católica (1978) constitui uma surpresa: Wojtyla era o primeiro polaco a ascender ao cargo, o primeiro Papa não italiano em 455 anos e o mais jovem a ascender ao cargo em mais de um século. Percebendo a surpresa que a sua nomeação causou a Europa vivia então sob os auspícios da Guerra Fria e a Polónia ficava do lado de lá da Cortina de Ferro , Wojtyla surge à varanda do Vaticano com um sorriso e palavras de optimismo.

Desde o início, o 264 º sucessor de São Pedro constrói a imagem de homem enérgico (o que lhe valeu a alcunha de atleta de Deus), carismático e afável, procurando sempre o contacto com os fiéis, em especial as crianças e os jovens. Sinal dessa abertura ao mundo, são as viagens que João Paulo II inicia logo no seu primeiro ano de pontificado. O primeiro destino: a Polónia. A primeira visita à sua terra-natal é vista como um sinal de encorajamento ao Solidariedade, o sindicato de inspiração cristã que então dá os primeiros passos na luta contra o domínio soviético que terminaria dez anos depois, colocando Wojtyla do lado vencedor. Seguem-se-lhe outras 103 deslocações aos mais diferentes pontos do globo, perfazendo uma distância total que seria suficiente para fazer 30 viagens de circum-navegação. De todas, a viagem mais emblemática terá sido a que efectuou em 2000 à Terra Santa. Num gesto inesperado e simbólico, João Paulo II desloca-se ao Muro das Lamentações, em Jerusalém, deixando entre as fendas do local mais sagrado do Judaísmo uma nota em que pede perdão pelos séculos de perseguição ao povo de Abraão um marco no diálogo ecuménico que sempre promoveu.

Poliglota e carismático, os discursos que faz cativam as multidões que reúne nos locais por onde passa. Interventivo, as palavras de João Paulo II não esquecem o mundo em convulsão, apelando incansavelmente à paz e ao combate à pobreza. Ao todo, escreveu 14 encíclicas (documentos doutrinais) e mais de dez mil discursos, abordando temas que vão do ambiente, à economia, passando pela segurança. Se revolucionou na forma de evangelizar e na abertura ao mundo, João Paulo II é frequentemente apontado como demasiado conservador nas questões da família, da moral e da organização interna da Igreja, não tendo hesitado em afastar os teólogos mais contestatários. Igualmente polémica é a sua relação com os movimentos ultra-conservadores, como a Opus Dei, cujo fundador, José María Escrivá, foi canonizado em tempo recorde (2002). O pontificado de João Paulo Paulo II fica, também, marcado pelo número recorde de canonizações (482 santos) e beatificações (1338) realizadas ao longo de últimos 26 anos, ou seja mais do dobro do que todos os seus antecessores juntos.

A agilidade que marcou os primeiros anos do seu pontificado sofreu o primeiro golpe a 13 de Maio de 1981, quando o jovem turco Mehmet Ali Agca atingiu a tiro o Sumo Pontífice, em plena Praça de São Pedro. A coincidência da data levaria João Paulo II a dizer que a sua vida fora poupada por intervenção de Nossa Senhora de Fátima, realizando no ano seguinte a primeira das três deslocações ao santuário português. Mas a debilidade física só começou a ser notada em Abril de 1994, quando fracturou o fémur, confirmando-se depois que sofria de Parkinson, uma doença neurodegenerativa. Nos anos seguintes, o mundo assistiu à lenta degradação da sua saúde física, acompanhada de crescentes rumores sobre uma possível resignação. Contudo, o Sumo Pontífice
garantiu sempre que não pretendia abdicar, afirmando que a continuação da sua vida pública servia como exemplo do contributo que os doentes e os idosos podem dar à sociedade.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home