O branqueamento da história
O texto de Vasco Graça Moura [ler mais abaixo] tem quase tudo. Falta-lhe, contudo, uma parte fundamental, que também faltou ao Público. Só não faltou ao «O Independente». O texto de Rui Ramos
não esquece o resto da história.
Se é verdade que se tem falado sobre o relatório das violências cometidas pelas autoridades militares durante a revolução do 25 de Abril, não se tem falado sobre a resposta dos juristas a esse relatório: um branqueamento dos factos e o esquecimento das torturas em nome da revolução. Entre os juristas estava o actual Presidente da República e o prémio Pessoa de 2003.
A parte fundamental é aquela que conta o que a geração de Sampaio já sabe, mas não fala. Agora quero que a minha geração conheça o passado de pessoas que, hoje, comandam os destinos do País. E que passiva ou activamente colaboraram com este horror, que caracterizou os tempos de 74 e 75. Leiam, para saber quem nos governa, para que o passado não passe em claro, impunemente, com a culpa a morrer solteira, como é hábito. Para que não se choquem só com o que se passa no Iraque e recordem o que se passou cá. O texto do historiador Rui Ramos aponta o dedo a quem soube o que se passou e nada fez. Um dia, espero, far-se-á Justiça.
Servícias por Vasco Graça Moura
«Casos de cárcere privado, com tortura e violenta agressão física; centenas de prisões arbitrárias; detenções sem invocação de razões e sem processo ao longo de meses e meses; interrogatórios à noite e não reduzidos a escrito; recusa de assistência de advogado; casos de tortura sistemática, de agressão violenta e de maus tratos físicos, por vezes com espancamento dos presos por vários agressores simultâneos; "sevícias sistemáticas sobre presos, com o fim de os humilhar e lhes infligir castigos corporais, traduzidos em agressões, rastejamento no solo, corridas forçadas, banhos frios com mangueira e imposição de beijarem as insígnias de uma unidade militar, incrustadas no pavimento"; tortura moral por insultos, intimidação e ameaças com armas de fogo; coacção psicológica por ameaça de prisão de familiares; vexames e enxovalhos públicos; subtracção de valores ou objectos na efectivação das prisões ou nas buscas às celas; incomunicabilidades, isolamentos, privação de correspondência, de artigos de higiene e de recepção de encomendas, até cinco meses; privação de exercício físico ao ar livre; desrespeito pelo natural pudor das pessoas na admissão dos detidos; graves deficiências de assistência médica, chegando a registar-se a morte de presos; impedimento de assistência a actos de culto...
E ainda queixas de simulações de execução; de agressão à dentada, espancamento e tentativa de violação de uma presa; de choques eléctricos nos ouvidos, sexo e nariz de um preso; de sevícias e torturas ao filho de outro preso, na frente deste, para extorsão de uma confissão.
Tão extremosas manifestações de humanidade não se devem à PIDE, nem aos franceses na Argélia, nem à guerra do Vietname, nem ao regime de Saddam, nem aos guardas de Guantánamo, nem às práticas sinistras de alguns militares americanos no Iraque.
Devem-se a militares e civis alinhados com o PCP e a UDP no rutilante Portugal dos cravos de 1974-75.
Dá-se aqui só uma pálida ideia de algumas das 56 conclusões do documento de 143 páginas publicado em 1976 pela Presidência da República, sob o título de Relatório da comissão de averiguação de violências sobre presos sujeitos às autoridades militares.
A brandura dos nossos costumes revolucionários no seu máximo esplendor torna ainda mais grotesco o enlevo de algumas lúgubres vestais comunistas e trotskistas, nas celebrações do 25 de Abril.
Oficiaram com estridor sobre a imprescritível "memória do fascismo". Mas a barulheira não abafa as memórias, assim edificantes e patrióticas, da gloriosa "construção do socialismo".
Na democracia norte-americana, conhecidas as sevícias nojentas perpetradas por alguns militares no Iraque, os nomes e fotografias dos responsáveis foram publicados, as autoridades exprimiram o seu repúdio, a comunicação social e a opinião pública fizeram livremente a sua avaliação indignada, os arguidos irão a tribunal e hão-de ser severamente punidos.
Na democracia francesa, as torturas na Argélia têm vindo a ser investigadas a quase cinquenta anos de distância.
Mas dá-se um doce a quem se lembrar de um só caso de julgamento em Portugal pelas selvajarias acima referidas.
Espera-se que comunistas, trotskistas e mais fauna da extrema-esquerda, que hoje tanto se abnegam pelos direitos humanos, façam o obséquio de esclarecer como, quando e onde, condenaram publicamente o que se passou entre nós naquela altura.
Já. Antes de guincharem mais.»
Vasco Graça Moura
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