Sophia de Mello Breyner Andresen
Sophia de Mello Breyner Andresen é e será sempre um dos maiores poetas portugueses. Um que sempre me acompanhou e que eu sempre consegui entender.
Não são os poemas dedicados à liberdade, pela qual pugnou antes e depois de Abril de 1974, que mais me tocam. Prefiro os que se espraiam no mar, no amor, no mármore ou na vida.
A cultura clássica, sempre presente, na sua poesia funde-se na perfeição com o ritmo ora saudoso ora festivo da cultura portuguesa. Soube que morrera na sexta-feira, passavam dez minutos das oito horas da noite. Não me vou esquecer da sua poesia. Como não me vou esquecer dos contos infantis, que farei questão de ler aos meus filhos. «A Fada Oriana» ou «A Menina do Mar» são livros para todas as idades, mas que marcaram indelevelmente as crianças que os leram.
A posia de Sophia de Mello Breyner tem para mim ainda outra característica mágica: encontramos sempre uma que se adapta na perfeição ao que sentimos naquele dia. Há sempre uma que foi feita à nossa medida: do que pensamos naquela altura, do que sentimos naquele momento, do que pensamos sobre alguém que conhecemos bem. Mas a poesia de Sophia tem ainda outra característica mágica: é uma poesia solitária, que deve ser declamada só para nós. Em surdina. Sophia escrevia para dentro. Para dentro de cada um.
(Poema inédito)
Naquele Tempo
Sob o caramachão de glicínia lilaz
As abelhas e eu
Tontas de perfume
Lá no alto as abelhas
Doiradas e pequenas
Não se ocupavam de mim
Iam de flor em flor
E cá em baixo eu
Sentada no banco de azulejos
Entre penumbra e luz
Flor e perfume
Tão ávida como as abelhas
Abril de 98
Não se perdeu nenhuma coisa em mim
Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
Sophia de Mello Breyner Andresen
Livro Sexto (1962)
[uma das minhas poesias preferidas]
"Se"
Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.
Pudesse Eu
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
Poesia, Antologia
Moraes Editores, 1970
Cada dia é mais evidente que partimos
Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.
Antologia
Círculo de Poesia
Moraes Editores, 1975
Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeiçao
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Antologia
Círculo de Poesia
Moraes Editores, 1975
1 Comments:
Olá, gostei do teu blog, especialmente desta parte em que reuniste alguns dos poemas da Sophia. Por acaso também são uns dos que mais apercio, inclusivé andava à procura de um que consta neste pequeno espaço reservado à poetisa.
Os meus parabens.
Marco.
7:17 AM
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