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Thursday, January 15, 2004

O preço da liberdade

"Não há em Portugal, por parte dos magistrados, respeito pelos direitos dos cidadãos". Terá sido esta frase uma das que levou António Marinho a ficar do lado de fora da sede da Ordem dos Advogados. Júdice mandou-o embora a bem da serenidade e da paz no mundo judicial.

Só que ninguém cala o ex-presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem. Acusado de ter lançado atoardas no Parlamento – um espaço de total liberdade, onde os deputados gozam de imunidade parlamentar para que se possam insultar espontaneamente –, Marinho lavou a alma onde os tribunos lavam a roupa suja. Ora Marinho tinha algo do interesse público para contar. E para que não o continuassem a acusar de proferir «heresias» contra os altos magistrados da Nação, sem apontar exemplos para aquilo que o causídico defende ser a total "desresponsabilização dos magistrados envolvidos na prescrição de processos" ou na forma «insensata» como juízes "atiram pessoas para a prisão preventiva", António Marinho concedeu à RTP 2 uma entrevista de 25 minutos recheada de casos concretos. A culpa foi da pivot Márcia Rodrigues que insistiu...

E os casos, que o ex-presidente conhece bem, foram-se sucedendo com uma certeza insofismável que manteve inabalável o jurisconsulto, numa das frases mais bombásticas que ouvi na televisão – ainda por cima pública – a horas decentes: "Conheci pessoas antes do 25 de Abril que tinham coragem para defender a liberdade, e que agora se acomodam, com receio do que lhes possa acontecer à carreira ou mesmo ao emprego". Para Marinho é claro como água: "O preço que se pagava no tempo da ditadura [para defender a liberdade] em alguns casos não é superior ao que tem de se pagar pela liberdade de expressão no actual Estado de direito democrático".

Depois de ter dito pela primeira vez tudo o que lhe ditava a consciência sobre a falta de transparência no mundo da magistratura, Marinho pagou – frente a todos os que fazem parte desse Estado democrático – o preço da liberdade. Diz-se disposto a continuar, nem que "fique sozinho". Neste "sistema que é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros", todos pagamos o preço dessa liberdade. Estranho, não?

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