
Tinha dez anos quando li o primeiro «O Independente». Tinha decidido ser jornalista e olhei para o Indy como o estilo de jornalismo que gostaria de fazer. O jornal era em tudo novo.
Muito diferente do já cansativo Expresso. Original em tudo o que fazia, até no grafismo. As frases curtas, a pontuação original, o lead que não ficava colado à pirâmide invertida, os títulos... Aquilo era o que eu queria do jornalismo quando fosse grande.
Tudo era «do avesso». Como eram as crónicas,
avessas, de VPV, os antes pelo contrário de PP e o Caderno 3, ou Vida 3. Lembro-me dos textos de Paulo Nogueira com infografias malucas e desenhos que pareciam saídos do computador, de não perceber metade e pedir ajuda nas referências complicadas para a minha tenra idade. Aos 13, era a minha companhia às sextas-feiras no percurso de autocarro do conservatório para casa. Ao lado do Se7e em formato revista broad-sheet.
Lembro-me de o meu pai ler alto alguns textos do MEC, hilariantes. Alguns reli nos livros de crónicas, outro guardo em pedaços de papel do caderno 3.
Às sextas, lia o jornal de fio a pavio. Cavaco e os seus ministros tinha ataques de ansiedade às quintas... Seria tão bom que um jornal fizesse o mesmo com Sócrates e os mudos dos seus ajudantes...
Voltando ao tema: quando a primeira do Indy surgiu manchada de sangue no caso dos hemofílicos, antes ou depois do caso Cadilhe e Duarte Lima (não me recordo), o meu pai proibiu-me de comprar o jornal. Ora proibir é coisa que não se faz a um adolescente, que gastava a semanada no dito, e o levava às escondidas para casa. Às escondidas, também, lia o meu pai o semanário, que eu tinha comprado, até ter refeito - mais ou menos - as pazes com o Indy. Mais por falta de opção, o jornal sobreviveu quase 19 anos lá por casa. Passou a existir na minha também.
Já por hábito, por tradição, por imagem de uma geração irreverente que sobrevivia apenas na memória, comprei-o durante quase 2 décadas. Muitas vezes nem li na diagonal. Depois de Portas sair - depois do cavaquismo acabar - o Indy perdeu o rumo. Nasceu contra Cavaco e era difícil continuar a crescer sem encontrar outro ódio mortal para poder evoluir em oposição a algo. Sem o alvo, perdeu o tiro certeiro.
O jornal formou gerações, inventou um género novo, foi uma lufada de ar fresco, mas nunca montou alicerces para pensar no futuro. Por pouco não destronou o Expresso, mas perdeu demasiados processos, enganou-se muitas vezes, e findo as maiorias absolutas do agora PR, perdeu o fôlego. Foi lento e gradual a morte anunciada.
A geração nova, daquela direita que não é CDS nem PP, viu tristemente a fuga do Portas-político. Do mesmo que tinha dito que nunca chegaria ao poder, porque era sempre do contra.
Do contra era o Indy, próprio da juventude, com manchetes sobre o Taveira (com uma menina ao lado de um cavalo e as teorias sobre a Bobbit. E os cromos: «aborto ortográfico» ou «Eu matei Laura Palmer» enchiam os cadernos da escola.
Muitos anos mais tarde, também fiz uns textos para o Independente. Senti-me feliz por isso, mas não soube ao mesmo: claro que antes seria exploração de trabalho infantil, mas ainda guardo um texto que não tive coragem de enviar... Tinha 15 anos e achei que ninguém me iria levar a sério. E não iam...
Guardei o primeiro número. Mas não vou guardar o último. Porque este não foi o último. O fim chegou há muito. E é pena: estes são tempos fundamentais para um novo Indy surgir.