Mudamos o mundo todos os dias. A qualquer hora. Sem censura. Amarga ou doce. Com ou sem o primeiro gomo de tangerina.

Tuesday, March 30, 2004

O último adeus

O Desejo Casar acabou. Bom divórcio.

Depois do fim, acumulam-se
os estilhaços e visitam-se
as moradas do costume.
Acendem-se cigarros, em jeito
de desporto, e talvez tudo
isto seja ainda a morte.

Não se contam estórias,
improváveis estórias, sobre
a noite que saqueia os corpos,
restituindo-os à memória
do nada. Empilham-se os dias,
com um terror leve e brando,
com a certeza de que não
voltarão, paciência.

A voz de ninguém há-de atenuar
esse grito - gestos de fuga
e riso que por descuido apenas
deixamos que existam. Encostados
nulos à parede dos minutos,
à espera de quem prometeu não vir
(com que rosto inábil, venha o diabo
e diga). Não vale a pena o esforço,
a inspiração da mágoa sob
os pulmões desatentos:

depois do fim é ainda o princípio.

(«Depois do fim», in GAME OVER, 2002)

Monday, March 29, 2004

«Não é a pedido que o tribunal encontra culpados»

Post dedicado ao juiz Nuno Melo

Numa terra que passou a conhecer os juízes pelo nome e que organiza marchas brancas pelos magistrados, Nuno Melo é um nome a reter. Não tem ainda 30 anos e já demonstra a coragem dos que não abdicam de fazer justiça por mais pressionados que sejam. Conhecendo o País era inevitável que a intelligentsia percebesse tudo ao contrário. É uma intelligentsia que deve pouco à inteligência. E rapidamente entram em estado de histeria e de julgamento popular. Um clássico. Um hábito que já vem dos pais. Nada a fazer.

Em Portugal, Procurador do MP e juiz confundem-se. Mas só nessas cabecinhas histéricas e pouco iluminadas.

No entendimento do magistrado, não houve negligência por parte de nenhum dos indiciados, embora concorde que "ficou clara a consequência de uma má organização dos serviços do Estado". O papel do tribunal, diz o juiz, "é o de apurar os factos que constam do prcesso e analisá-los - não é a pedido que o tribunal encontra culpados". Ou seja, sem provas não pode existir condenação.

Nuno Melo foi corajoso. Um miúdo corajoso, que perante a falta de prova produzida pelo MP não pôde fazer mais. E não encontrou culpados perante "all reasonable doubt". Estranho é que há uma semana, o advogado João Nabais, em representação das vítimas de Castelo de Paiva, tenha desistido da acção contra os areeiros, quando foram as vítimas a iniciar a acção. Isso é estranho.

Thursday, March 25, 2004

Tempo

Por entre o espaço entreaberto, perdeu-se no momento, restando-lhe na memória a nostalgia de um tempo ao qual não mais poderia retornar...a tal liberdade que pretensamente alcançara havia-se esfumado de um momento e da perda já só ficara aquilo que permanece uma vez esquecido tudo o mais.


mandamentos do século XXI

O amor eterno chega a durar seis meses...
Ter a consciência limpa é sinal de má memória. Toma suplementos.
Vale mais enganar do que ser enganado...
O último a rir não percebeu a anedota...
Os honestos são considerados inadaptados sociais.
Quem luta contra a corrente pode morrer electrocutado.
Não leves a vida muito a sério. Não sairás vivo dela.
A piada não é ganhar, mas fazer o outro perder...
Se a montanha vem até ti, foge... é um desmoronamento.
Príncipe encantado só há um e está na cama com a Cinderela... ou com o copeiro... ou com os dois.

Sempre

Allways look at the bright side of life...

Cupido

Eu vi quando você me viu
Seus olhos pousaram nos meus
Num arrepio sutil
Eu vi... pois é, eu reparei
Você me tirou pra dançar
Sem nunca sair do lugar

Sem botar os pés no chão
Sem música pra acompanhar

Foi só por um segundo
Todo o tempo do mundo
E o mundo todo se perdeu

Eu vi quando você me viu
Seus olhos buscaram nos meus
O mesmo pecado febril
Eu vi... pois é, eu reparei
Você me tirou todo o ar
Pra que eu pudesse respirar
Eu sei que ninguém percebeu
Foi só você e eu

Foi só por um segundo
Todo o tempo do mundo
E o mundo todo se perdeu (2x)
Ficou só você eu eu

Quando você me viu...

Maria Rita
Composição: Cláudio Lins

Adivinha

O que é preciso para se ser terno?
É preciso ser-se dois.

as certezas do caminho...

Não, ele não vai mais dobrar
Pode até se acostumar
Ele vai viver sozinho
Desaprendeu a dividir
Foi escolher o mau-me-quer
Entre o amor de uma mulher
E as certezas do caminho
Ele não pôde se entregar
E agora vai ter de pagar com o coração, olha lá
Ele não é feliz
Sempre diz
Que é do tipo cara valente
Mas, veja só
A gente sabe

Esse humor é coisa de um rapaz
Que sem ter proteção
Foi se esconder atrás
Da cara de vilão
Então, não faz assim, rapaz
Não bota esse cartaz
A gente não cai, não

(Marcelo Camelo)

Monday, March 22, 2004

Shuffle

E quando temos o CD programado em shuffle - modo aleatório - e a música 17 das «biografias de amor» é a primeira a tocar... isto é o quê? Azar? Sorte? Acaso? Coincidências? Ah, é verdade: não há coincidências. Pelo menos com o 2.º andar direito.

As diferenças

JPC republica hoje um texto brilhante, já editado no «Independente». Deixo aqui uma pequena parte dessa prosa que tão bem exprime o que tantas vezes pensei - mas nunca fui capaz de escrever, pelo menos desta forma - sobre as gentes que habitam agora este País. Tão diferentes do valorosos do Portugal de Quinhentos... É só uma pequena parte de um texto obrigatório.

"A arte da rudeza é insulto. Mas não é apenas insulto. É um insulto perverso, insolente e demencialmente elevado.

«Winston, você não passa de um bêbedo», diz Lady Astor a Churchill numa festa social. E Churchill, sem perder a compostura, responde: «E você, minha querida, é feia. Mas amanhã eu já estarei sóbrio».

O mesmo Churchill, na Câmara dos Comuns, confrontado com as críticas de uma parlamentar inflamada: «Se eu fosse sua mulher, punha veneno no seu chá». E Churchill, sem perder a compostura, responde: «E se eu fosse seu marido, bebia-o».

Agora tracem as diferenças. A nossa vida social, vendida pelas revistas da paróquia, pinga vulgaridade. As elites de um país definem esse país? Pois bem: as nossas elites mais visíveis são compostas por jogadores de futebol, apresentadores televisivos e concorrentes do Big Brother. Um cortejo grotesco, que diz tudo sobre Portugal. As frases desta gente são deprimentes e vulgares. As fronhas são deprimentes e vulgares. Os amores são deprimentes e vulgares. As casas são deprimentes e vulgares. Os sentimentos são deprimentes e vulgares. As férias, invariavelmente no Algarve, são deprimentes e vulgares. Os gostos são deprimentes e vulgares. As opiniões são deprimentes e vulgares. A educação é deprimente e vulgar. Tudo é deprimente e vulgar porque tudo surge infectado pelo vírus deprimente e vulgar da classe média arrivista e endinheirada, amante do exibicionismo saloio..."


JPC, em JPCoutinho.com - dIários on line.

Saturday, March 20, 2004

Happy End

Isto de ter o DVD tem as suas vantagens. É certo que fui três vezes ver o «Lost In Translantion» ao cinema. Apenas pela sensação boa com que ficava quando saía da sala. Mas com o DVD em casa começamos a reparar em pormenores extraordinários. E a banda sonora também ajuda.

Porque por mais que o final seja em aberto, que ninguém sabia verdadeiramente o que se passa ali, naquele sussurro, entre duas pessoas apaixonadas, mas com percursos e responsabilidades tão diversas, certo é que não foi tanto o sorriso de Charlotte que me fez pensar que Bob lhe terá proposto um reencontro.

Confesso que foi o ar assustado de Bob, ao entrar no taxi, que me fez ansear por essa combinação. Ele está com cara de quem pensa: «ó meus Deus, o que é que eu fui fazer»... Sobretudo se pensarmos que ele ia directamente do aeroporto para um espectáculo de ballet, para ver a filha. Mas aquela expressão é diferente da outra de desalento que ele mostra no hall de hotel. Um desalento menos sofrido, e mais calejado, se compararmos com a angústia que Charlotte sente por o ver partir.

Mas na banda sonora temos também um sinal de esperança - para os mais românticos, claro. «Kaze Wo Atsumete» é a música que nos faz acompanha os passos de Charlotte e Bob, por caminhos opostos. É interpretada pelos «Happy End»... Acham que é um sinal, mesmo?

Wednesday, March 17, 2004

Os meus amigos de esquerda

«Os meus amigos de esquerda ficara contentes com a vitória de Zapatero». A frase não é minha. É da Daisy e é consensual. O que nem toda esquerda sabe, é que não está só nessa alegria socialista. Afinal, o regresso do PSOE faz lembrar outros tempos: tempos em que a economia espanhola acabou por ser esmagada pela vigência de Gonzales. Aznar, sobretudo no último mandato, transformou Espanha na maior potência da Europa ocidental. Índices económicos demonstram que Espanha renasceu das cinzas depois do PSOE ter tentado gerido a quinta. Sem sucesso, claro.

Aznar e o PP foram castigados pela inabilidade com que trataram o atentado: sobretudo a forma como quiseram influenciar a opinião da opinião pública... Mas o povo em democracia é por natureza ingrato. E não é de agora.

Certo é que no dia seguinte à vitória do tipo que não fuma, não bebo e só come para sobreviver, as tropas espanholas receberam a certeza de que até Junho voltam a solo pátrio. Zapatero assinou a rendição em letras gordas, cumprindo uma promessa de campanha que deixou de ser possível de cumprir a partir do dia 11 de Março.

Nem os terroristas pensaram que o efeito fosse tão grande. Agradecem, que eu sei, e descobriram agora a forma de influenciar eleições e pôr um povo de joelhos.

Os espanhóis aguentaram durante três dias mentiras e falsidade sobre o 11-M. Nem imaginam eles o que vão ter de aguentar a partir de agora... É que quando se deixa que o medo ganhe forma, volume, matéria, dificilmente algo existe além do medo. E se Zapatero não conseguir lidar com o medo, os espanhóis terão tendência a procurar quem consiga lidar com os terroristas e com o medo que eles infligem. Normalmente, a história assim o demonstra, rezemos para que assim não seja, há umas botas cardadas que se põem ao caminho.

Sabemos que as eleições foram dominadas pelo medo. E os terroristas, por isso mesmo, venceram nas urnas. O pior que pode acontecer a um povo é mostrar medo e pousar a pá... Medo perante aqueles que apenas tentam atingir a dignidade, a liberdade e a democracia. Venceram e alcançaram os objectivos desta vez. Esperemos para ver até onde... e até quando.

Sunday, March 14, 2004

Se o mar não me fugisse

Se o mar não me fugisse
Quando caminho na areia
E o vento não soprasse
E o horizonte ainda ouvisse
A tua voz de sereia...

Se a insónia que mata morresse
Em prelúdios de agonia
E a solidão hibernasse
E a tristeza soçobrasse
Em noite de maresia...

Se a tempestade amainasse
E o barco largasse o cais
E a bruma se afastasse
Deixando que o sol rompesse
Em ondulados iguais...

Se o fogo apagado acendesse
A ternura original
E o aço frio vergasse
E a ironia inútil cedesse
Cansada de fazer mal...

Se eu ainda sentisse
Aquele volúpia de outrora
E a pomba morta voasse
E o rouxinol mudo cantasse
Cantigas de outra hora...

Se a tua boca ardesse
Dos beijos que te mordi
E a flor murcha se erguesse
E um tempo novo nascesse
Podia acreditar que vivi.

Posted by CR

Giroflex no antigo Jardim da Celeste, agora Real Feytoria de novo

O CARTAZ
Sábado 13 - António Barroso "CONFLITO DE GERAÇÕES"
Concerto com: "KARROTETO & CLOROFILAS"
Quinta 18- Filinto Melo "BRAVE NEW WORLD"
Sexta 19 - Miguel Carvalho "BRASIL LADO B"
Sábado 20 - António Mendes "ROCK RECORD"
Quinta 25 - António Barroso "CONFLITO DE GERAÇÕES" Parte II
Sexta 26 - Rute Marinho "BANDAS SONORAS"
Sábado 27 - David Pontes "ROCK AND FALL"

ABRIL
Quinta 1 - Rui Reisinho "AS NOITES LOUCAS DE UM ET"
Sexta 2 - Bernardo Santos "MÚSICA DO MEU CARRO"
Sábado 3 - Emanuel Carneiro "GELADOS PARA CORVOS"
Quinta 8 - Pedro Bessa "JAZZ TOUCH"
Sexta 9 - António Baldaia "CUBANA"
Sábado 10 - Luis Henrique "MORE THAN A WOMAN"

Saturday, March 13, 2004

O caminho é claro

Já não estamos «Lost In Translation»...
Pelo contrário: é o mesmo cumprimento de onda. Apesar do sorriso à Gioconda. E o ar de filme americano.

Nobody sees when you are lying in your bed and I wanna crawl in with you but I cry instead.

I want your warm, but it will only make me colder when it's over

So I can't tonight, baby. No, not 'baby' anymore - if I need you I'll just use your simple name.

Only kisses on the cheek from now on and in a little while, we'll only have to wave...

My hand won't hold you down no more the path is clear to follow through.

I stood too long in the way of the door

and now I'm giving up on you

Principezinho

- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer."

Obrigada ao Horizonte Quase Perdido por me ter recordado o «Principezinho» de Exupery, que eu li vezes sem conta. O Horizonte tem razão quando diz que uma semana como esta que passou precisa de textos como este para nos fazer vir à tona de novo.

Thursday, March 11, 2004

«A matarlos»

O atentado terrorista desta manhã em Madrid já fez 186 mortos e mais de mil feridos. O Governo de Madrid não tem dúvidas de que se trata de um atentado levado a cabo pelo grupo terrorista ETA, segundo o ministro do Interior e o próprio primeiro ministro José Maria Aznar, que prometeu já «dar caça a todos os terroristas». . A linha afectada, que conduzia pessoas de bairros no sudeste da capital até ao centro da cidade, a menos de 200 metros dos jardins do Prado, sofreu treze explosões em quatro locais, matando, para já quase 200 pessoas.

(retirado do PortugalDiário)

Gostava de me disponibilizar aqui para caçar o que for preciso. Terroristas ao pequeno-almoço, lanche ou jantar. Pronta a pegar em armas.

Wednesday, March 10, 2004

Hoje dois grandes amigos tiveram um filho. Aqui fica escrito para todo o sempre que desejo que sejam felizes.


O que é o Amor? (opinião das crianças )
Esta foi a pergunta feita a um grupo de crianças de 4 a 9 anos, durante uma pesquisa feita por profissionais de
educação e psicologia.

"Amor é quando alguém te magoa, e tu, mesmo muito magoado, não gritas, porque sabes que isso fere os sentimentos da outra pessoa."
Mathew, 6 anos.

"Quando minha avó ficou com artrite, e deixou de poder dobrar-se para pintar s unhas dos pés, o meu avô passou a
pintar as unhas dela, apesar de ele também ter muita artrite."
Rebecca, 8 anos.

"Amor é quando uma menina põe perfume e o menino põe loção pós-barba, depois saem juntos e se cheiram um ao outro."
Karl, 5 anos.

"Amor é quando minha mãe faz café para o meu pai e toma um gole antes, para ter certeza que está ao gosto dele."
Danny, 6 anos.

The path is clear

I wished for you
Nobody sees when you are lying in your bed
And I wanna crawl in with you
But I cry instead
I want your warm,
but it will only make
Me colder when it's over
So I can't tonight, baby
No, not 'baby' anymore -
if I need you I'll just use your simple name
Only kisses on the cheek from now on
And in a little while, we'll only have to wave
My hand won't hold you down no more
The path is clear to follow through
I stood too long in the way of the door
And now I'm giving up on you

A propósito do Ganda Roy

Quanto gostaria de descer pela cortina, acompanhá-lo em cena, dar à perna como gente que se ama e, até não poder mais... estar lá!
As vicissitudes impedem-me de o fazer mas fica a lembrança de noites passadas.

Ruca

Ganda Roy
[este post já esteve publicado e desapareceu... devo ter carregado no botão errado. Por isso, agora tento plagiar-me a mim própria. Vou ver se consigo]

Comecei a ouvir o Rui David no ano da graça de 1996. Tímido, franzino, assustado até, lá estava ele aos fins-de-semana no extinto Up Stairs. Nesse tempo, os meus amigos de liceu e eu íamos ouvi-lo tocar com gosto. Antes, uma mesa congregava os fãs, todos vindos da Aurélia de Sousa; hoje, o Rui toca com gosto, claro, mas mais do que isso, toca com garra, com alma, com coragem, com despeito até. Os amigos ocupam bem mais do que uma mesa no novo Real Feytoria (aquela decoração? Porquê? Porquê?) e fazem a peregrinação dos domingos à procura daquele rapaz, boa praça, que já projecta a voz sem medo de ofender. Não teme o ridículo. Não teme uma fífia, ou uma nota fora de tom. Sabe que encanta naqueles domingos. E o último, com a ajuda do Cenoura na bateria, foi musicalmente memorável. Obrigada Roy por nos dares música, por nos dares a tua companhia. E por voltares de vez. (A Tangerina agradece o usufruto da expressão Roy. O nome artístico do Rui David desencantado por um amigo dele).

Saturday, March 06, 2004

Do cerco à coligação

Do cerco à coligação
Janeiro de 1975. O I Congresso do CDS pára para almoço. Os congressistas e dirigentes regressam ao Palácio de Cristal para mais votações. Mas não chegam a ir jantar, nem Freitas do Amaral termina o discurso. Dezenas de milhares de militantes e simpatizantes de extrema-esquerda barricam novos e velhos até às sete horas da manhã. Cocktails Molotov, chuva de pedras e tiros ouviam-se do exterior. Os congressistas do primeiro conclave centrista pediram auxílio a Deus, ao Presidente da República, ao Governo, ao Exército e à polícia. Os convidados, estrangeiros, telefonaram incessantemente para as embaixadas e respectivos países. Um forte motivo de pressão que levou o Presidente da República, o general Costa Gomes, a intervir e a evitar "uma mortandade", palavras de quem estava do lado de fora e pressentiu a tragédia, caso os manifestantes tivessem tentado entrar.

Caetano Cunha Reis tinha dezassete anos na altura. Era o mais novo fundador do CDS e, por isso, foi o primeiro presidente da Juventude Centrista. A "O Primeiro de Janeiro" recordou os tempos em que era um "tira-linhas" e que dentro do pavilhão do Palácio de Cristal, no Porto, se viveram momentos de "medo". "Não senti pânico à minha volta. Mas medo. Ninguém sabia como aquilo ia acabar". A revolta estava no ar, mas Caetano Cunha Reis lembra que sentiu revolta também. "Estávamos revoltados porque eram os tempos em que acreditámos que era chegado o momento de viver um modelo de democracia ocidental normal. E o que se vivia, na altura, era uma mudança de 180 graus: de um regime totalitário de direita passámos para um regime totalitário de esquerda".

Da parte da manhã, as sessões decorreram normalmente. Ainda estavam os movimentos de extrema-esquerda a organizarem as manifestações, e no Palácio decorria o I Congresso do recém-criado CDS, onde se pretendia realizar as primeiras eleições formais, já que todos os cargos eram ainda provisórios, com a aprovação das moções, a ratificação do programa e a eleição dos órgãos dirigentes. Não chegaram a acontecer.

Depois do almoço, os congressistas regressaram e, com eles, começaram a surgir "zunzuns de que, de facto, algo ia acontecer, à medida que os manifestantes convergiram para o Palácio". Diogo Freitas do Amaral, presidente do partido, começou a discursar. Não chegou a terminar.

Gritos de ordem, os portões a bater, pedras a voar, tiros e cocktails Molotov no exterior do Palácio. Lá dentro começaram os telefonemas, os pedidos de auxílio.

O momento que se viveu foi de confusão. Caetano Cunha Reis era novo, portanto ficou na parte de baixo do edifício. Os mais velhos e as mulheres foram levados para o primeiro piso. O centrista, hoje, brinca com a situação. Mas é descontração à distância, porque, na altura, como o próprio confessa, o CDS sentia-se indefeso, com a polícia a não garantir a segurança. "Era uma instituição muito complexada, conotada com o antigo regime e aquela tendência para o "não me comprometas"". Aliás, para lá dos portões do palácio, o jornalista Jorge Massada, que pertencia à Organização Comunista Marxista Leninista Português (OCMLP), recorda que a GNR foi a força que mais interveio e carregou nos manifestantes para os dispersar.

Uma semana antes do Congresso já se antecipava que a esquerda não daria tréguas e o CDS tinha planos de defesa onde contava com a polícia. "Aos primeiros telefonemas que fizemos para as forças de segurança, disseram-nos logo que não conseguiam controlar a manifestação", revive o jovem centrista que, "com sangue na guelra", rememora tempos onde se conspirava no primeiro piso do Palácio.

Chegadas as 22 horas, Diogo Freitas do Amaral "estava calmo", enquanto Adelino Amaro da Costa demonstrava alguma ansiedade. "Ninguém nos garantia segurança e quando nos garantiam não era para levar a sério, dados os tempos revolucionários que se viviam". Até que, depois do Governo demonstrar falta de força para controlar a situação, o general Costa Gomes garante aos dirigentes do partido confinado ao Palácio que uma força de intervenção iria ser mandada para o Porto. Uma companhia de paraquedistas chegou a D. Manuel II cerca das seis horas da madrugada. Já a manifestação tinha perdido a sua força, batida pelo cansaço, e não pela polícia ou pela tropa que se dispersava no terreno. "Foi preciso, ainda, que todos percebessem que se ocorresse uma tragédia, seria mau para todos, sobretudo para a própria esquerda. E quando essa sensilização aconteceu, o COPCON chegou a ser pensado como a única força que teria capacidade para intervir. O que não chegou a acontecer. "Quando o comandante da companhia de paraquedistas do Montijo entrou no Palácio, percebemos que dali a pouco poderíamos começar a pensar sair"...

Era Portugal, há 29 anos. Cocktails Molotovs invadiam os jardins do Palácio de Cristal e "Morte ao fascismo" era entoado na rua por dezenas de milhares de pessoas. Mas o Congresso não terminou. Às sete da manhã os delegados abandonaram o espaço e no Domingo não voltaram a reunir. O conclave foi realizado semanas mais tarde na sede oficial do partido, onde hoje é o Governo Civil do Porto, no Palácio dos Pestanas.

Neste ano de comemorações oficiais, o CDS quer voltar ao sítio onde foi feliz... e recordar essa reunião clandestina, pá...!




Este texto, com algumas alterações, foi publicado na edição de domingo de «O Primeiro de Janeiro»

Wednesday, March 03, 2004

Zig Zag Warriors - Nova batalha na sexta-feira

No sítio do costume, Zé Pedro dos Xutos e Miguel Quintão preparam-se para nos dar outra noite daquelas: com música a torto e a direito. Para desenterrar de vez o rock com cheiro a mofo que se ouve por aí. A não perder. Triplex. Sexta-feira. Pela noite dentro...

Para quem perder a primeira noite - e que noite perderam, então... - aqui fica
uma pequena amostra do que se pode passar...

O duo dinâmico Miguel Quintão e Zé Pedro dos Xutos (no B.I. José Pedro Reis) abalaram o chão do Triplex na noite e madrugada (ok, manhã!) de domingo. A noite convidava a dançar sem parar ao som da melhor música que naquela noite a cidade (inesperadamente) recebeu.

O Triplex foi pequeno para tanta energia positiva, numa noite altamente revivalista mas muito contemporânea. Grandes sons remisturados por produtores de luxo que conferiram às canções um cunho moderno sem retirar o peso da história. E nesta noite de que vos falo ouviu-se de tudo: «Oncle», «White stripes», «Radio 4», «Milionaire»... até musica retirada do baú como David Bowie, «Jesus and Mary Chain», «Cure». Acima de tudo o Zé Pedro, nosso Mick Jagger dos Olivais e o Miguel, Quintão radialista, têm a genialidade de colocar nos pratos sons que jamais se ouvem com outros DJ's:

Um melómano facilmente consegue descodificar quando se quer procurar o que de melhor se tem feito a nível musical e para isso, na madrugada de
ontem, sigaram-se estas duas bússolas sonoras, que patinaram entre o revivalismo e a actualidade pura.

Curioso é também o facto de estes dois Dj's terem o cuidado de passar som limpo - as colunas jamais debitaram som distorcido, o que nem sempre é fácil tendo em atenção que o material sonoro do Triplex deixa algo a desejar. O cuidado era sempre extremo e assim sabe bem ouvir bom som. O ano de 2003 foi rico em produção rock e electrónica e eles conseguiram compilar o que de melhor se fez no ano passado....

Uma autêntica viagem sonora foi o que aconteceu no Triplex, num pacote de luxo com o livro de reclamações a terminar em branco. Dos clássicos às novas tendências, tudo teve lugar no combate dos «Zig Zag Warriors», onde todos saimos vencedores. E ficamos à espera de mais.

(Já não é preciso esperar. Sexta-feira está reservada para os nossos warriors preferidos: Os zig, zag, claro...)

Monday, March 01, 2004

Fantasporto a quatro mãos

Do nosso lado da cama...

«De Espanha nem bons ventos nem bons casamentos», diz-se, mas bom cinema, esse, existe com certeza. Num grande auditório repleto, esta película, "El Outro Lado de la Cama", de Emilio Martinez Lazaro começou por fazer desconfiar as massas adeptas do cinema fantástico desta 24ª edição. Quando num grande plano vemos duas meninas, uma loira outra morena, a cantarem e a sugerir-nos um musical, a desconfiança apodera-se. Sim, mesmo com "Moulin Rouge" ou "Dancer in The Dark" há qualquer efeito nos musicais e nas comédias românticas que acumulam com o género anterior. Mas a desconfiança desvanece-se tão rapidamente quanto a percepção da leveza subtil com que o tema infidelidade é abordado nesta metragem. É que não é infidelidade é... qualquer coisa que tem a ver com estar apaixonado ou dividido, manter uma relação com confiança ou à maneira mais antiga que potencia a imagem do verdadeiro macho latino.

Está lá tudo o que tem uma relação. Está lá tudo o que nos pode trazer felicidade. Está lá tudo o que nos pode deixar sem dormir. Está lá tudo o que nos faz... «trepar pelas paredes». Até à hora de fecho desta edição não sabemos se é um dos vencedores (mas temos pena). No entanto, acreditem que é uma das melhores psicoterapias para casais deprimidos num país à beia-mar plantado. E depois há «gags» hilariantes sobre sexo, sobre traição, sobre detectives, sobre a amizade, sobre a homossexualidade. Sobre os novos tempos e sobre os velhos tempos.

Com música, dança, coro, choro e riso pelo meio. «O Outro Lado da Cama» é aquele onde eu e tu estamos ou já estivemos. As dúvidas, as incertezas, as mentiras, as meias-verdades, as relações com fim, as relações que parecem não ter fim.

De forma crua, mas nunca desesperançada, Emilio Martinez Lazaro termina o filme de facadas no matrimónio como se fossemos todos uma grande família. Afinal, pecadilhos todos cometemos e quando o casal atraiçoado atraiçoa também, então «amor com amor se paga» e tudo termina bem.

Os espectadores entraram na sala pouco passava das nove da noite mas às onze ainda riam com vontade. Se não é um intelectual «empedernido» ou se não procura só terror «gore» no Fantasporto, e se não viu a sessão de quinta-feira à noite, então reze, reze muito para que «O Outro Lado da Cama» venha para um clube de vídeo qualquer. O cinema comercial espanhol está em grande. E nós por cá podíamos aprender a fazer parecido.

Judite França e Nuno F. Santos
publicado in «O Primeiro de Janeiro»

Os piores de sempre

Ok, errei em melhor actor e não fico triste. Sean Penn também merecia. Mas gostei da cara do Bill Murray depois da derrota: nada de cinismo, não gostou e notou-se.

O pior da noite foi... a noite dos óscares. Nunca tinha visto nada tão boring... Foi uma pena. Salvou-se a companhia.

O meu prognóstico...

... a poucas horas do fim do jogo

Melhor Filme: "O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei"
Melhor Realizador: Peter Jackson
Melhor Actor: Bill Murray
Melhor Actriz: Charlize Theron
Melhor Actor Secundário: Alec Baldwin. Preferia Tim Robbins
Melhor Actriz Secundária: Renée Zellweger
Melhor Argumento: Cidade de Deus

O Prognóstico do Arquivos do Cinéfilo

por Vasco Martins

Melhor Filme: "O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei"
Melhor Realizador: Peter Jackson
Melhor Actor: Bill Murray
Melhor Actriz: Charlize Theron
Melhor Actor Secundário: Benicio Del Toro
Melhor Actriz Secundária: Renée Zellweger
Melhor Longa-Metragem de Animação: "À Procura de Nemo"
Melhor Filme Estrangeiro: "Evil"