Mudamos o mundo todos os dias. A qualquer hora. Sem censura. Amarga ou doce. Com ou sem o primeiro gomo de tangerina.

Friday, January 30, 2004

Não é uma comédia. Não é um drama. É a vida

«As Virgens Suicidas» foi a estreia em grande de Sofia Coppola.

Com «Lost in Translation», com o pai Coppola como Produtor Executivo e com o dedo do irmão, Roman, Sofia alcança outro feito. A filha de Francis tinha em mente um filme em Tóquio - onde chegou a viver - e que integrasse no elenco Bill Murray. Mai nada. A partir daí criou quase tudo. O filme é romântico, mas verdadeiro. Subtil, mas verdadeiro. Leve, mas cruel. Puro, mas sarcástico.

Em «Lost in Translation» existe tudo o que é preciso para que um filme funcione: além da câmara e do cenário e de um realizado, existe uma relação entre um homem e uma mulher. Filmado com o budget de um filme português, durante um mês, Bill Murray é um homem na crise da meia-idade, que ainda não comprou o Porsche, e que depois de ter sido um sucesso acaba a fazer anúncios publicitários a um whisky. Ela, pelo contrário, é nova. E desempregrada, apesar de ter finalizado Filosofia em Yale. Também casada. Charlotte foi a Tóquio na companhia do marido, um fotógrafo de bandas de lock'n'loll - estamos no Japão - e fica a maior parte do tempo sozinha, no hotel.

Os dois conhecem-se no bar do hotel e acabam por encontrar na relação a companhia ideal para ocupar as insónias. Mas não pensam que decidiram ocupar as insónias enrolados no lençol, um em cima do outro. Não! O mais bonito do filme é que, com excepção de um beijinho, não há uma única cena de sexo - feito raro no cinema de hoje em dia, sobretudo no cinema europeu.

«Lost in Translation» não é uma comédia. Não é um drama. É a vida. A vida de duas pessoas que se encontram na altura certa e que passam dias juntas a almoçar, beber copos, a cantar, e a dizer «que sim» com a cabeça sempre que falam longamente com eles em japonês.

Nunca chegamos bem a perceber que Bob sente por Charlotte e vice-versa. Ou melhor, Charlotte é mais nova e por isso mais transparente. Mas a chave para o filme acontece no fim. Mas caro futuro espectador não lhe vou dizer qual é. E porquê? Por que não faço a mais pequena ideia. Só posso imaginar, o que não consegui ouvir. Bob sussurra ao ouvido de Charlotte uma frase que acompanha o desenlace do filme. E que nós não ouvimos.

Bill Murray está velho e perfeito para o papel. A doce Scarlett Johansson é ideal na interpretação de Charlotte. Porque é carinhosa, linda, pura e triste.

Assim como o filme é triste e melancólico. Vago como a sensação que vem de algo que não conhecemos. Como a natureza humana.

Thursday, January 29, 2004

Prémio "Stella" à "sem-vergonhice" humana e à estupidez de um sistema jurídico

"Em honra à senhora Stella Liebeck, de 81 anos que, tendo-se queimado seriamente nas pernas ao entornar o café quando ia a arrancar de carro do drive-in da McDonalds, recebeu da McDonalds (ou antes, da seguradora da McDonalds....) uma indemnização de 4.5 milhões de dólares, criou-se nos Estados Unidos o prémio "Stella" , que visa premiar aquelas pessoas que se aproveitam do sistema jurídico americano para com a maior e mais genial desfaçatez receber indemnizações milionárias, aproveitando a abertura e generosidade com que o sistema jurídico premeia a estupidez e a ignorância humanas.

5º lugar atribuído, em simultâneo às seguintes três pessoas:
a) Kathleen Robertson de Austin (Texas), após ter recebido 780.000
dólares de indemnização que lhe foram concedidos por um júri como
compensação por ter partido uma perna numa loja de móveis, após tropeçar numa criancinha que andava a rastejar no chão da loja. O dono da loja ouviu a sentença calmamente ( a seguradora pagou.......) mas com uma genuína e enorme incredulidade, pois a criancinha rastejante era, nem mais nem menos, o filho da vítima

b) Carl Truman, de Los Angeles, jovem de 19 anos, recebeu 74.000
dólares de indemnização mais os gastos de tratamento da seguradora
do vizinho, após este lhe ter passado com o carro por cima da mão. O
homem não viu o coitado do rapaz, que no preciso momento em que ele arranca está ocupado a roubar as tampas das jantes do carro do vizinho.

c) Terence Dickson, de Bristol (Pennsylvania) tentava sair pela garagem da
casa que acabava de roubar, não conseguiu no entanto abrir a porta
da garagem. Já não pode regressar à casa, pois a porta de ligação da
casa à garagem ficou trancada após ele ter entrado na garagem. O coitado do senhor Dickson, vejam lá, teve que aguentar 8 dias na garagem até à chegada
dos donos da casa, que estavam de férias, alimentando-se de comida
de cão e bebendo uma grade de Coca-Cola armazenadas na garagem. O
tribunal ordenou a seguradora da apólice de roubo dos donos da casa a pagar-lhe 500.000(!) dólares de indemnização (danos punitivos) pela
crueldade moral a que o pobre homem foi submetido.

4º lugar
Atribuído a Jerry Williams de Little Rock (Arkansas), que recebeu 14.500 dólares mais gastos de tratamento por ter sido ferrado nas delicadas bochechas do seu traseiro pelo cão da raça Beagle do vizinho. O júri não lhe
atribui a totalidade da indemnização pedida, pois considerou abonatório em
favor do dono do cão o facto de que o senhor Terence Williams tinha saltado
a cerca que separava a sua casa da casa do vizinho para perseguir, no terreno do vizinho, o cão do mesmo, disparando-lhe tiros com uma pistola de pressão de ar.....

3º lugar
Atribuído à menina Amber Carson, de Lancaster (Pennsylvania), que recebeu
113.500 dólares mais gastos de tratamento da seguradora de um restaurante,
após tropeçar, escorregar e cair numa poça de refresco que estava no chão do
restaurante, partindo o tornozelo. O tribunal também neste caso não atribuiu
a totalidade da indemnização pedida pela menina Carson, tendo em vista que a
poça se tinha formado apenas 30 segundos antes de que a menina Carson nela tropeçasse, quando ela agarrou no copo de refresco que tinha à sua
frente e o atirou, na íntegra, à cara do namorado, após uma viva discussão
entre ambos....

2º lugar
Atribuído à jovem Kara Walton, de Clymont (Delaware), que recebeu 12.000 dólares de indemnização da seguradora de uma discoteca, após cair da janela
da casa de banho da discoteca, partindo os dois dentes da frente. A jovem
partiu os dentes na tentativa de entrar ilegalmente na discoteca, para evitar o pagamento da entrada de 3.50 dólares....

1º lugar, atribuído unanimemente e sem sombra de dúvidas a Merv Grazinski, de Oklahoma City.

A seguradora da fábrica de auto-caravanas Winnebago Motor Homes teve que lhe pagar uma indemnização de 1.750.000 dólares mais a reposição do veículo que ficou totalmente destruído após um despiste sofrido. Ao regressar de um jogo de futebol, o Sr. Grazinski ligou o piloto automático do veiculo, levantou-se do assento do condutor, e foi à parte de trás da auto-caravana para preparar um café. A auto-caravana despistou-se de imediato, tendo ficado totalmente destruída. O Sr. Grazinski escapou da morte por pouco. No tribunal o Sr. Grazinski justificou a sua pretensão indicando que se achava com o direito a essa indemnização porque as instruções da auto-caravana não diziam que o assento do condutor não poderia ser abandonado com o veículo em movimento, nem com o piloto automático ligado, como ele já tinha visto os pilotos de avião fazerem. O tribunal deu-lhe razão. A Winnebago Motor Homes, antecipando-se a novos casos, já procedeu à alteração dos manuais de instruções das auto-caravanas."

Direito de resposta

Cara Judite:
Escrevo-lhe porque não tem janela de comentários no seu blogue e porque nele promete publicar os desabafos dos seus leitores.

Publicando ou não este email, quero pedi-lhe para que deixe claro que os insultos a João Pereira Coutinho que transcreve no seu blogue não são da responsabilidade de nenhum autor do Barnabé, mas sim dos comentadores que escreveram nas janelas de comentários do nosso blogue. Nestas apareceram também muitos elogios a JPC. Houve comentários aos textos de JPC da nossa parte, mas não do género dos que decidiu transcrever.

A forma como atribui esses comentários ao Barnabé é, pois, errónea.

Obrigado pela atenção,
Rui Tavares

Caro Rui Tavares,
Se digo que publico, é porque publico. Para não transcrever o que me escrevem é preciso que usem dos mesmos termos ou semelhantes aos que os leitores do Barnabé utilizam em relação a JPC. É por essas, e por outras, que eu não tenho comentários. Tem razão: uso de censura prévia. Acho mais correcto, do que correr o risco de ver alguém no meu blogue ser insultado e enxovalhado injustamente. Considerar-me-ia, em parte, responsável.

Wednesday, January 28, 2004

Náuseas

Estive a ler a o tal de barnabe e senti náuseas. Realmente, só mesmo uma mente pouco saudável seria capaz de fazer um blog cujo objectivo parece ser, apenas, o de fustigar João Pereira Coutinho. Não espanta: o JPC continua em alta e, de facto, isso provoca inveja em muita gente. Lamenta-se que assim seja. Mas é um bom barómetro. Por isso, toca a andar para a frente, João. Os cães que ladram muito acabam por se cansar. E não mordem...

assinado: Coutinho Ribeiro

Por muito menos, a Coluna Infame terminou

Aqui
http://barnabe.weblog.com.pt/arquivo/054809.html insulta-se gratuitamente João Pereira Coutinho. Com mimos como «esse biltre», «confundi-o com o Engenheiro Sousa Veloso», o «idiota do JPC», ou «ler JPC nem sequer é um exercício de racionalidade, é um vomitar de lugares comuns», ou ainda JPC é «mentiroso : será que esse imbecil lê realmente os livros que apregoa? É que ele escreve coisas tão estúpidas...».

Recordo que, por menos, o primeiro e o mais brilhante blogue terminou. A Coluna Infame, que reunia JPC, Pedro Mexia e Pedro Lomba encerrou portas. Por muito menos.

Curioso que um dos que mais ofende foi o que sentiu ofendido pelos infames. Ou em particular por um infame: JPC. Será uma obsessão, Daniel?

PS: João Pereira Coutinho é, de facto, alvo de invejas. Como são todos aqueles que fazem coisas que nós não somos capazes de fazer. Eu admiro-o e não perco uma única coluna. Com pena minha terei de comprar o troglodita «Expresso». Mas pelo João vale a pena.

PS: Como sempre, as palavras e atitudes ficam com quem as diz ou faz. Neste caso, não é excepção.

Lenda de Guerreiro

Há homens que são apanhados nas esquinas da história. Na dobra dos tempos. Apanhados por factores que não controlam, que não compreendem. Apanhados por mudanças inesperadas. De alguma forma, todos já passamos por isso. Por situações que não controlamos – de repetente o «tapete» que tínhamos debaixo dos pés foge sem razão.

Dúvido, no entanto, que algum de nós tenha sido apanhado assim nas dobras da História com a força impediosa com que a mudança atingiu Marcelino da Mata, o tenente-coronel do Exército português, de origem guineense que lutou na guerra do Ultramar durante 14 anos, sem parar, e que chegou à metrópole numa maca. Marcelino, o guerreiro mais medalhado do exército português. Um homem que, acima de tudo, se considerava português. Um herói nacional, condecorado sem fim pelo Estado Novo.

Um dia passou de herói a traidor. Traidor a uma pátria que tinha mudado de rumo sem o avisar. Marcelino é agora um homem que se senta no banco do tribunal da Boa Hora para testemunhar no caso da Moderna. Um homem que se viu compelido, 30 anos depois das medalhas, a fazer segurança para uma empresa privada. Um herói nacional, caído em desgraça, por um regime que lhe trocou as voltas, na esquina da história.

Conta Freire Antunes que Marcelino da Mata fazia "denodadamente a guerra partindo da noção de que quem tinha medo morria depressa. O (então) Alferes Marcelino da Mata, um supermedalhado do Exército, detentor da Torre e Espada, comandou grupos especiais (de autóctones da Guiné) em múltiplas acções de combate e destaca o esforço desses homens que se sentiam portugueses. Foi um dos expedicionários a Conakry. Veio para Lisboa numa maca".

Está agora na Boa Hora, a testemunhar no caso da Moderna, negando envolvimento na tomada da Dinensino e garantindo que apenas vigiava a empresa de segurança que operava na universidade. Marcelino da Mata é o homem capturado nas dobras do tempo e na esquina da história. Atingido pelos alcatruzes da nora. Sem dó, nem piedade.

Estaline

Estaline morreu a 5 de Março de 1953. Por altura do quinquagésimo aniversário da sua morte, não tenho dúvidas de que morreu tarde demais.

Num regime odioso como tantos outros que proliferaram e espalharam o terror pelo mundo, o da ex-URSS, sob o domínio de Estaline revela uma particularidade que o torna especialmente odioso: o da assassinar compulsivamente os que lhe são próximos – os adversários, os indiferentes e os companheiros.

Estaline fundou um regime que se baseou na autofagia e protagonizou, nesse sentido, um regime mais odioso do que o de Lenine, ou de tantos outros da extrema-esquerda à extrema-direita. Porquê? Porque se firmou na expurgação autofágica, em que do número 2 da hierarquia ao último da escala, ninguém estava a salvo da «guilhotina» [leia-se dos trabalhos forçados do Gulag ou do fuzilamento, após tortura]. E foi esse clima de terror constante que cimentou um regime e Estaline no poder.

Um clima de terror que se espalhou como um denso nevoeiro: o terror era a argamassa de um sistema, que continha as pessoas e fortalecia o poder do grande timoneiro. A ele não escapavam os dirigentes do partido, nem as famílias das mulheres com quem casou, nem mesmo aqueles que infligiam esse terror, que ciclicamente os devorava.

Lendo Ribakov, observamos incrédulos que entre 1937 e 1939 foram fuzilados e condenados a trabalhos forçados 20 mil tchekistas (membros ligados à segurança do Estado) e entre esse contam-se chefes do N.K.V.D., como Iagoda e Iejov. A propósito destas duas sinistras personagens, a revista do «Público» de 2 de Março assinalou a efeméride da morte de Estaline, num louvável artigo de história – porque é sempre bom aprender mais –, mas cuja virtualidade esmorece ao focar a atenção na vida particular de Estaline.

Aí imputa injustamente a Beria (sucessor de Iejov) o suicídio da segunda mulher de Estaline. Ora Nadia morreu em 1932 e só seis anos mais tarde Beria chegaria a Moscovo como director do N.K.V.D. Da morte de Nadia, Beria não tem culpa. Já lhe bastam os horríveis pecados que realmente cometeu.

Monday, January 26, 2004

Não se pode matar gajas destas, não?

Consultório médico na Boavista, hoje de manhã. Uma senhora entra no consultório e espera de pé junto ao balcão. De saia de malha e casaco igual, falta-lhe uma gabardina para a proteger da chuva. Veio a pé de longe. Está preocupada com o marido. Fez um exame médico naquele consultório e está ansioso pelos resultados. A espera potencia os piores medos, os maiores receios. A vaca da secretária diz friamente que não pode revelar nada.
- "Tem de ser o senhor doutor. Quando o doutor Mário puder falar consigo, fala".
- "Será que posso falar com ele por telefone? Ou então eu espero aqui..."
- "Não vale a pena esperar. Está no meio de um exame"
- "Mas o meu marido está tão ansioso... Desconfia até que eu já sei os resultados mas não lhe digo. E agora, se não conseguir falar com o senhor doutor, o que faço?"
- "O senhor doutor vai de férias duas semanas. Quando ele voltar"
A senhora, perto dos 60 anos, manteve sempre a calma. Não agarrou a gaja pelos cabelos, nem sequer levantou a voz.
- "Mas posso ligar à tarde?"
- "Pode tentar, mas não prometo nada".
Não é uma questão da puta da secretária ter ou não ter coração. Não é revelante. Relevante, para mim, é saber que outras pessoas morrem, quando ela continua a respirar. E pensar que os meus impostos lhe pagam idas ao hospital... Dá arrepios...

Cinco minutos depois, o telefone xpto do consultório toca eufórico.
- "Estou? D. Emília? Quer falar com o senhor doutor? Agora não pode ser.
Mas ligue às duas, logo a seguir ao almoço, que eu passo-lhe a chamada para a senhora saber como está o seu exame".

Isto resolvia-se facilmente. E quem o fizesse (posso candidatar-me?) receberia uma medalhita. Caçadeira em punho, primeiro atirava à rótula esquerda... depois à direita... Ok, ok, eu acordo. Já sei que não posso matar a puta da secretária. Mas será que posso assistir quando ela passar pelo mesmo? Porque mais cedo ou mais tarde, tudo se paga, tudo se recebe de volta. E o pior é receber em dose reforçada.

Sunday, January 25, 2004

Zig Zag Warriors - um combate onde todos vencemos

Música a torto e a direito

O duo dinâmico Miguel Quintão e Zé Pedro dos Xutos (no B.I. José Pedro Reis) abalaram o chão do Triplex na noite e madrugada (ok, manhã!) de domingo. A noite convidava a dançar sem parar ao som da melhor música que naquela noite a cidade (inesperadamente) recebeu.

O Triplex foi pequeno para tanta energia positiva, numa noite altamente revivalista mas muito contemporânea. Grandes sons remisturados por produtores de luxo que conferiram às canções um cunho moderno sem retirar o peso da história. E nesta noite de que vos falo ouviu-se de tudo: «Oncle», «White stripes», «Radio 4», «Milionaire»... até musica retirada do baú como David Bowie, «Jesus and Mary Chain», «Cure». Acima de tudo o Zé Pedro, nosso Mick Jagger dos Olivais e o Miguel, Quintão radialista, têm a genialidade de colocar nos pratos sons que jamais se ouvem com outros DJ's:

Um melómano facilmente consegue descodificar quando se quer procurar o que de melhor se tem feito a nível musical e para isso, na madrugada de
ontem, sigaram-se estas duas bússolas sonoras, que patinaram entre o revivalismo e a actualidade pura.

Curioso é também o facto de estes dois Dj's terem o cuidado de passar som limpo - as colunas jamais debitaram som distorcido, o que nem sempre é fácil tendo em atenção que o material sonoro do Triplex deixa algo a desejar. O cuidado era sempre extremo e assim sabe bem ouvir bom som. O ano de 2003 foi rico em produção rock e electrónica e eles conseguiram compilar o que de melhor se fez no ano passado....

Uma autêntica viagem sonora foi o que aconteceu no Triplex, num pacote de luxo com o livro de reclamações a terminar em branco. Dos clássicos às novas tendências, tudo teve lugar no combate dos «Zig Zag Warriors», onde todos saimos vencedores. E ficamos à espera de mais.

A culpa é do tempo, é, é...

O nosso Eça dizia na Campanha Alegre que só em Portugal as meninas ficavam tristes e angustiadas dependendo do tempo que fazia lá fora. Bastava que o ceú se cobrisse de nuvens para que as donzelas pálidas e esquálidas deste jardim à beira mar plantando se sentissem na necessidade de verter umas lágrimas. Choro como aquela nuvem. Tenha paciência e dó.

A fragilidade e o desiquilíbrio emocional é que fazem disso. Um ser feliz não chora porque chove. Chora, eventualmente, porque não chove. Uma razão prática e materialista: se não chove... tudo seca.

Quer faça frio, chuva ou sol, cada um tem na vida aquilo que o faz ficar cinzento como o céu, ou luminoso como os raios quentes do sol. São opções pessoais por mais que pareçam certezas insosfimáveis provenientes do exterior. Porque não são, vos garanto. Se eu estou cinzenta, o céu é o último a ter culpa. A sério.

Saturday, January 24, 2004

De um passageiro de primeira classe...

I wanna make you smile
whenever you are sad
carry you around
when your artrite is bad

all I wanna do
is grow old
with you
I'll get your medicin
when your tommy akes

build you a fire
when the furniture brakes
It could be so nice
growing old with you

I'll miss you, kiss you
Give you my coat
When you are cold

Need you, feed you
Even let you hold
the remote control

So let me do the dishes
In our kitchen sink
Put you to bed
when you had to much to drink

I could me the man
Who grows old with you
I wanna grow old with you

(última faixa da banda sonora de «Wedding Singer». Para quem viu o filme, nesta altura o cantor de casamentos está em primeira classe, sentado ao lado do Billy Idol)

Friday, January 23, 2004

Adriano a Belém - parte II

(Tinha prometido explicações. Aqui vão elas)

Quando se fala em presidenciais – sim, falta muito, mas sucedem-se as sondagens – saltam de imediato nomes como o de Santana Lopes, Cavaco Silva, Freitas do Amaral, António Guterres, Mário e João Soares e outros que não granjeiam o mesmo peso junto dos estudos de opinião. O autarca de Lisboa disse-o claramente; os senhores que se seguem na lista deixaram a porta aberta, medindo cuidadosamente o pulso à opinião pública.

São «nins», «só Deus sabe» e o «futuro dirá». E entre a dança de putativos candidatos, gostaria também eu, caro leitor, porque sonhar é de graça, apontar um nome à interminável lista. Um nome que não se digladeia à esquerda, dentro do Partido Socialista, um nome que não luta com os candidatos da direita-centro-esquerda-liberal.

Um nome que em 2005 terá 84 anos... um pouco mais dos 81 que Soares, pai, irá comemorar no ano das eleições. Um nome que aos 39 anos foi Ministro do Ultramar.

Um nome afastado da política activa, mas que continua a contribuir para a democracia. Um nome relativamente consensual entre o regime de antigamente e o de agora. Um nome que considero ideal para estabelecer a ponte entre facções nunca verdadeiramente pacificadas e que só aparentemente convivem. Um nome culto, sensato, capaz de fazer a paz num país que ainda se divide pelo 25 de Abril de 1974. O nome mais lúcido.

O nome que não se quer candidatar. E por isso, quero aqui pedir-lhe desculpa por avançar com o seu nome. Senhor professor, apesar de não o conhecer, tenho a certeza de que não quer ser Presidente da República. É pena. Mas essa é também uma razão para desejar que fosse: o espírito de missão com que se abraçam tarefas públicas são contrárias ao desejo de protagonismo, de sucesso, de ribalta. Desejos que o professor claramente não tem.

Repare-se que só no famoso «índex» temos três reincidentes a Belém. Por isso queria Adriano Moreira na lista. Para acabar com eternos candidatos,
“eternos presidenciáveis”, ex-líderes, políticos afastados «ma non troppo»...
Adriano Moreira personifica o contrário de todos estes nomes. Porque é melhor. Porque não intervém na democracia de forma cirúrgica tentando acumular pontos no concurso da opinião pública. Faz bem.

Wednesday, January 21, 2004

Finalmente... pelo menos um voltou

João Pereira Coutinho agora não escreve no site com o nome jpcoutinho. E Alberto Gonçalves vai de férias. Não é justo. Semanas sem o primeiro, sete dias sem o segundo. Mas como no Grande Texto, ao sétimo ressustou. Finalmente. Isto de aguentar a blogsfera sem nenhum dos dois não é fácil. Ok, ok, há muito por onde ler, mas tudo é uma questão de hábito. E eu habituei-me. Muito, mesmo. Que o regresso do Homem a Dias seja em grande.

Adriano a Belém

Amanhã explico. Para já, só vos digo isto. O melhor candidato à Presidência da República que Portugal poderia ter é Adriano Moreira. Entre várias razões, que amanhã me darei ao trabalho de explicar, uma das que mais se destaca é simples: quem é o único político que consegue fazer a ponte entre o antigo e o actual regime... pois é, o professor Adriano.

A Jameson New Year

Eu sei que este blogue nasceu já 2004 tinha começado. Mesmo assim, a todos os leitores desejo sinceramente um ano fantástico. E já agora, partilho convosco uma das frases que mais gostei: «a Jameson New Year». Para quem não sabe, Jameson é whiskey. Juro que não tenho comissão, mas não me importava... É o meu whiskey preferido. Felizmente, é também a bebida alcoolica preferida de muitos amigos. Aliás, até de mais do que amigos. O que é bom, revela bom gosto e porque... se o teu acaba... Well, a Jameson New Year, really.

SI MIS MANOS PUDIERAN DESHOJAR

Yo pronuncio tu nombre
en las noches oscuras,
cuando vienen los astros
a beber en la luna
y duermen los ramajes
de las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
de pasión y de música.
Loco reloj que canta
muertas horas antiguas.

Yo pronuncio tu nombre,
en esta noche oscura,
y tu nombre me suena
más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
y más doliente que la mansa lluvia.

¿Te querré como entonces
alguna vez? ¿Qué culpa
tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma,
¿qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?
¡¡Si mis dedos pudieran
deshojar a la luna!!

Federico García Lorca

(mais uma contribuição do anónimo preferido deste blogue)

Faltava Brel

La chanson des vieux amants

Bien sûr, nous eûmes des orages
Vingt ans d'amour, c'est l'amour fol
Mille fois tu pris ton bagage
Mille fois je pris mon envol
Et chaque meuble se souvient
Dans cette chambre sans berceau
Des éclats des vieilles tempêtes
Plus rien ne ressemblait à rien
Tu avais perdu le goût de l'eau
Et moi celui de la conquête

{Refrain:}
Mais mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime

Moi, je sais tous tes sortilèges
Tu sais tous mes envoûtements
Tu m'as gardé de pièges en pièges
Je t'ai perdue de temps en temps
Bien sûr tu pris quelques amants
Il fallait bien passer le temps
Il faut bien que le corps exulte
Finalement finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

{Refrain}

Oh, mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore, tu sais, je t'aime

Et plus le temps nous fait cortège
Et plus le temps nous fait tourment
Mais n'est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l'eau
Mais c'est toujours la tendre guerre

{Refrain}

Oh, mon amour...
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime.

Tuesday, January 20, 2004

Dizem que estou assim...

Today I am
A small blue thing
Like a marble
Or an eye

With my knees against my mouth
I am perfectly round
I am watching you

I am cold against your skin
You are perfectly reflected
I am lost inside your pocket
I am lost against
Your fingers

I am falling down the stairs
I am skipping on the sidewalk
I am thrown against the sky

I am raining down in pieces
I am scattering like light
Scattering like light
Scattering like light

Today I am
A small blue thing
Made of china
Made of glass

I am cool and smooth and curious
I never blink
I am turning in your hand
Turning in your hand
Small blue thing

Obrigada Luís Filipe Borges

Retirado do livro «Mudaremos o Mundo Depois das Três da Manhã»


Um cigarro acende-se neste verso
fumo três horas deles por dia
bebo um milkshake por ano
duas tentativas de relação
e três relações furtivas
escondo-me de mim próprio de seis em seis meses
e em cada estação do ano
- religiosamente -
sonho matar alguém
deixo-me molhar pela chuva
todos os dias do ano em que chove
canto em público meia dúzia de vezes
e perco dois ou três objectos queridos - em média - por ano
beijo mais mulheres do que devia
tendo em conta os
cigarros
as fugas
a moral católica
e o álcool que consigo suportar
com arrogância, aliás
sou o eu literário. Não sou um homem.

Juro que também está publicado...

«Encontrei-me com a Bárbara Guimarães que, como é sabido, está grávida. Pelo meio da conversa costumeira, discutimos a maternidade como materialização da essência do "ser-se mulher" traduzida de forma tão sublime num par de ovários, em alguns centímetros de trompa e num útero sempre tão ensimesmado. A natureza arranja sempre maneira de nos deslumbrar com os mais ínfimos pormenores».
Mais uma vez provém da prosa de Anabela Mota Ribeira. Mais uma vez fico sem qualquer tipo de reacção. Não comento, mas precisava de partilhar.

Isto está, de facto, escrito na blogosfera

«Passei a noite a ler a "Odisseia" de Homero na versão original em grego. Apesar de ser uma língua que desconheço de todo, foi uma experiência emocionante. Os traços retorcidos do alfabeto helénico são testemunho de milénios de história da civilização de que somos filhos. Dá que pensar.»
Foi escrito por Anabela Mota Ribeiro. Mais nada. Fiquei sem palavras.

Para viver um grande amor

Para Viver Um Grande Amor
Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita
seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte
culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais,
muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser
impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se
souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

(colaboração de um anónimo)

Monday, January 19, 2004

O bom selvagem

Depois do «Chuva de Estrelas», vieram outros. E eles cantam e encantam em
palco. Vendem cd's, deixam de estudar, nunca quiseram trabalhar. Tal como
os modelos, pensam em aparecer nas revistas cor-de-rosa e ficar com
de bronze depois de muito solário.

Quando me passeio pelo controlo remoto vejo meninos e meninas auto-suficientes. "Temos talento e prontos". Quem sou eu para contestar. Não teriam entrado na prova de admissão do Conservatório. Mas isso não interessa. O juri, que fez o Conservatório, já se vendeu.

A ideia de que admiramos algo que não somos capazes de fazer não funciona
com estes meninos e meninas. Para eles basta acreditar, ter fé, perseguir um
sonho. Mesmo que se seja mudo. A noção básica, clássica, de talento e arte
maior, para eles não passa de palavras que algum professor maldoso proferiu tentando propositadamente traumatizá-los.

Directamente da teoria do bom selvagem, qualquer um pode cantar e encantar. Eles acreditam piamente que são autênticos, talentosos, verdadeiros artistas. E acreditam piamente que nós os devemos ouvir, apoiar,
babar... Acreditam piamente que todos devem ter a sua oportunidade. A teoria - que não é de Rousseau - de que a vida não é justa, não cabe nestas
cabecinhas que nasceram já as maquinas de escrever pertenciam ao museu
mais próximo, fechado ao fim-de-semana de preferência. eles acreditam que se forem sinceros, honestos, genuínos, tudo lhes é permitido. O céu é o limite.

Sabendo ou não cantar. Essa parte não é relevante. Proque eles são boas
pessoas. E isso basta.

Meus meninos e meninas, NÃO BASTA. É pouco. É preciso mais. É preciso,
de facto, saber e cantar bem. É de facto preciso saber interpretar. Treinar,
estudar, sete, oito horas por dia. A genuinidade não é suficente. A sinceridade
também não. O coração aberto não serve.

Foram enganados. Esse é o problema. Prometeram o que ninguém lhes
poderia dar. E acreditaram. Jã não estão a tempo de voltar atrás. SErão
frustados a vida toda. A culpa será daquele jurado, daquela produtora, daquela apresentadora. Nunca deles. Porque ninguém lhes disse que era preciso saber cantar. Que era um requisito fundamental. Ninguém lhes disse. E eles também não discorreram. Tal como a teoria do bom selvagem, acreditam que a cendelha divina é o bastante. Não é.

Um dia, frustrados, alcoolizados, sem nunca terem contribuido para a
Segurança Social, vão perceber. Será tarde. Sozinhos e acocorados com o
frio, acham-se no direito de não trabalhar na caixa de supermercado mais
próxima. Mas não têm esse direito. Será tarde quando se aperceberem. Tarde
de mais.

Mais uma piada do nosso cenourinha

O Presidente da República encerrou a cerimónia de abertura do ano judicial, defendendo implicitamente a vinculação dos jornalistas ao segredo de justiça e sugerindo uma reflexão sobre a necessidade de alterar aquele princípio jurídico e sobre as relações deste com a comunicação social. "Se a comunicação social não puder usar licitamente a violação do segredo de justiça pelos participantes no processo, então tal violação passa a ser, na pior hipótese, tema de conversa de pátio ou de cochicho de salão".

Meu caro cenourinha,
devo dizer-lhe que vincular os jornalistas ao segredo de Justiça e não vincular os operadores de justiça ao mesmo – ou não agir em confirmidade com a violação desse segredo – parece ter sido a piada do dia, até a esta hora. Tem piada que seja o jornalista a guardar segredo, algo absolutamente impossível. A não ser que este seja verdadeiramente penalizado.

Mas talvez não fosse má ideia primeiro começar por tornar uma realidadeo segredo de Justiça a quem está habituado a cumpri-lo por lei. Por até agora, nem isso. E é evidente que alguém entregou a carta anónima ao «JN» e é evidente que sempre que a Felícia Cabrita publica alguma coisa no «Expresso» alguém violou o segredo de Justiça. Mas como a impunidade reina, não merece a pena continuar a legislar se a lei que existe nem sequer é cumprida.

Sem fazer segredo do assunto, a verdade é que socialistas ja não sabem o que fazer. O Desespero está estampado nos vossos rostos. E fica-vos bem, o que é curioso.

PS: Para mais informações sobre o assunto e a forma como ele é tratado nos países civilizados, aconselho vivamente a busca de material sobre a Lei da Rolha que faz nos Estados Unidos e Reino Unido o suficiente para que nada do que esteja em fase instrutória do processo, venha cá para fora. Nada. De outra forma, não falamos só sobre coimas ou suspensão de jornais. Podemos falar em prisão efectiva. Isso faz sempre pensar duas vezes, não? Pergunte ao Pedroso a ver se não...

Meu amor...

EU SEI QUE VOU TE AMAR
Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes
Eu sei que vou te amar
por toda a minha vida eu vou te amar.
Em cada despedida eu vou te amar.
Desesperadamente, eu sei que vou te amar.
E cada verso meu será
pra te dizer que eu sei que vou te amar por toda minha vida
Eu sei que vou chorara cada ausência tua eu vou chorar.
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou.
Eu sei que vou sofrera eterna desventura de viver
à espera de viver ao lado teu
por toda a minha vida.


PRECISO DIZER QUE TE AMO
Marina Lima
Quando a gente conversa
Contando casos besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos
E eu não sei que hora dizer
Me dá um medo, que medo
Eu preciso dizer que te amo
Te ganhar ou perder
sem engano
E até o tempo passa arrastado
Só pra eu ficar ao teu lado

METADE
Oswaldo Montenegro
Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio.
Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada,
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma
e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste,
e que convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.

A tangerina agradece a colaboração destes poetas do amor

Sunday, January 18, 2004

Desculpa de mau pagador

Chegaram ao fim os dias de Pacheco Pereira versus Marcelo Rebelo de Sousa. O duelo de titãs que se vivia aos domingos era aliciante. Rebelo de Sousa, peso pluma, era obrigado a mostrar as duas pilhas de livros que traz consigo para que Pacheco Pereira acabasse a sua análise, de forma a continuar com audiência. Entretanto Pereira, peso pesado, tinha data show, mapas e tanques para tornar o comentário mais aliciante. Agora, que o Flashback na TSF acabou, o mesmo formato, mas filmado passou a integrar a grelha de programação da SIC. Chama-se Quadratura do Círculo e Pereira achou que estar duas vezes por semana no mesmo canal iria esvaziar o discurso. Penso que não. Basta ver pelo Abrupto para perceber que o discurso de Pereira é suficientemente profícuo para ter meia hora de análise por dia. Pereira tem opinião sobre tudo. Mas Rebelo é pior: queijo, ténis, praia, música e pintura, sem falar do costume, são temas onde o professor de direito se sente à vontade. Aliás, os dois sentem-se sempre muito à vontade.

Friday, January 16, 2004

Costa assume

Depois de vários meses de rumores, António Costa assumiu que quer ser
candidato ao Parlamento Europeu. Em entrevista, o líder da bancada socialista
referiu que o seu contributo pode ser decisivo para a vitória rosa. Mas fontes internas garantem que Costa quer afastar-se do reboliço em que o seu partido está envolvido. Claro que o próprio garante que não. Mas desde que o processo Casa Pia obrigou o PS a andar na clandestinidade que Costa prefere outras luzes.
Boa viagem.

O primo... benvindo

Obrigado pela recepção, Tanger. E voltarei sempre que tenha alguma coisa para dizer, o que, como sabes, não é frequente. Quanto à noite de ontem, foi um bocadinho longa e um bocadinho atípica. Apareceram algumas pessoas que já não via há algum tempo e foi engraçado. Isto de se ter os dias contados para sair à noite tem as suas vantagens. Mas desvantagens também: é que implica concentrar emoções num curto espaço de tempo. Sobretudo nos fins de semana em que sou pai a tempo inteiro.

Não apareceste ontem, o que se me afigura um bom sinal. Espero que não seja apenas um sinal. Mas isso não é para ser aqui discutido. E espero que o facto de não teres aparecido não signifique que estiveste a trabalhar para o blogue. Ou - quem sabe? - talvez até nem fosse pior que assim tivesse sido. Que mau, não sou?

Não, não é uma questão de maldade. Deve ser apenas uma atribulação dos tempos que correm. Ando preocupado com várias coisas. Com as coisas da justiça, com o estado do país e com a dura realidade que somos. Medito sobre as causas dos males e não as descubro. Ou talvez esteja inclinado a pensar que somos um povo mau. Ou talvez que a culpa seja mesmo dos políticos. Irrita-me pensar que vivemos num país onde as carreiras acontecem por acaso: onde se premeia mais o carreirismo do que o mérito. O resultado é tenebroso: temos uma classe política que não sabe - nem nunca soube - nada da vida e que, por isso, não pode saber nada de nós, nem do país, nem de nada. Sabe apenas das suas carreiras confortáveis.

Mudar isto não é fácil, como bem sabes. Eu tenho tentado. Tal como tu, eu também sou dos que pensam que podemos mudar o mundo. Não tem resultado muito. Mas ainda não desisti. Ainda que, ao contrário de ti, eu já tenha idade para ter juízo.

Resta-me a certeza de uma coisa: mesmo que eu não consiga mudar o que quer que seja no mundo, estou razoavelmente certo de que pelo menos eu não mudarei. Ainda que ficar assim possa constituir uma fonte permanente de angústia, ela sempre será menor do que a cedência áquilo em que não acredito. E enquanto assim for, tudo estará bem. Eu eu poderei continuar a sorrir - com um sorriso franco. E poderei continuar a olhar as pessoas com um olhar que não vacila...

Mas a que propósito vem isto tudo? Não deveria estar a trabalhar? Pois devia. Mas deu-me para isto. E, olhando para o relógio, acho que também já não vale a pena recomeçar. Está na hora de juntar o que resta do meu "presépio" e esperar que o fim de semana corra bem. Como espero que o teu também corra. E ver-nos-emos por aí. Ainda que seja apenas via sms. Beijinhos. C.R.

(o primo é Coutinho Ribeiro. Meu amigo. O que muito me orgulha)

O primo é sempre benvindo

O primo do JPC é sempre benvindo neste meu humilde blog. Discordo, como já devem ter reparado, das trocas e baldrocas do JPC. O primo não, e a família é uma coisa muito bonita.

Mas não escrevo porém para apresentar as minhas razões pelas quais sofri com a transferência.

Escrevo para dizer ao primo que é benvindo. Sempre. E como sempre, aliás.
Por falar nisso, que tal a noite no Triplex?

A preciosa colaboração do primo

Eu acho que o João Pereira Coutinho ganhou em dar o salto para o Expresso. É certo que o homem se fartou de dizer mal do espesso. Mas nada nos diz que não possa ter concluído que, neste momento, com todos os seus defeitos, o Expresso é melhor para ele do que o Independente. Pela minha parte, fiquei melhor: é que há já vários anos era para mim um esforço terrível ler o Independente e, quando o comprava, era só para ler o primo JPC. Quanto ao Expresso, nunca desisti de comprar. Por hábito. Porque ainda não encontrei razões para deixar de comprar. Mas, sobretudo, para ver os fretes que por ali se fazem a algumas figuras partidárias. Um verdadeiro escândalo, com sinais bem visíveis (também) no Porto.

E, além disso, nós não temos nada a ver com as opções do JPC. Só ele saberá as razões que levaram à transferência e, se bem o conheço, não foram só de ordem material. Todos nós temos que mudar de sítio, mais não seja para podermos continuar a ser como somos.

Adios, Tangerina.

O troféu
Ele há coisas... O João Pereira Coutinho, de quem eu me considero fã. E - note-se - é o primeiro (nos últimos anos) que merece esse elogio vai para o «Expresso».

O «Expresso», o troglodita «Expresso». Não preciso recordar o bom povo leitor do que em tempos o JPC escreveu sobre o «Expresso». E escreveu-o no Indy, comparando os dois semanários. Eu orgulho-me de só ler o «Expresso» quando me chamam a atenção para qualquer coisa e o problema é uma mera deformação profissional.

De resto, orgulho-me bastante de estar na esplanada da Praia da Luz ou no Lais de Guia empunhando um livro ou o bom, velho Indy e nunca aquele saco de plástico tenebroso com um especial sobre golfe. Pois é, JPC vai ganhar bem com certeza, mas foi um choque tremendo quando um primo dele me enviou uma mensagem dizendo: «o João vai passar a colaborar com o espesso». Deu-me um arrepio.

E foi uma péssima maneira de começar o ano. Já lho disse, na página dele. JPC não publicou esse comentário. Mas dizia que é uma pena que quem passe agora a ler a nossa vida de cão sejam leitores que têm medo de não pertencer à classe A ou B e que, por isso, sem a mínima vontade de ler, procuram o «Expresso» nas bancas.

O «Expresso» é aliás pródigo em não ter um cronista de jeito. Ou são todos políticos ou escrevem por pontos... O JPC é uma aquisição. Mas pior do que isso, sinto a partida do JPC como um troféu que o Saraiva quer mostrar. Como quando a Zita Seabra foi conquistada pelo Cavaco. Era um troféu. JPC também. E é pena.

Espero que, à semelhança dos textos do «Indy», que são publicados no site, também a crónica do espesso passe a figurar na página. Porque não compro aquele pasquim para ter ler, João. Santa paciência. Fã ou não, tenho os meus princípios. E não abdico.

Thursday, January 15, 2004

Todos sabemos como a vida é complicada. Não é novidade, não. O que nem todos sabem é que podemos torná-la mais complicada ainda, mas muito mais saborosa. Muito mais. Enche-la de cor, pôr-lhe sal e pimenta. Adoçar a boca, barrar o coração com chocolate. É o que eu tenho feito. E não me perguntem como. Não me perguntem. Por que senão eu conto.

Ontem, por intermédio de uma amiga recente - que se revelou ser uma amiga atenta e preocupada - ouvi «Dead Can Dance». O estilo de música? Estou longe de conseguir perceber. Eles chamam-se «Spiritchaser» e tocam «harmonies of heaven and earth». São mesmo. Se puderem, e não é assim tão difícil de encontrar, vale a pena.
«In most musical instruments the resonator is made of wood while the actual sound generator is of animal origin. In cultures where music is still used as a magical force, the making of an instrument always involves the sacrifice of a living being. That being's soul then becomes part of the tones that come forth, the singing dead, who are ever present with us, make themselves heard».

Saramago, em artigo de opinião publicado no «El Pais», disse-se desiludido – atente-se na expressão – com Fidel Castro, depois do ditador ter mandado fuzilar sumariamente três compatriotas que tentaram fugir do «paraíso». Fidel, ao longo de 40 anos de regime opressor, assassinou milhares de opositores. O nobel só reparou nestes três? Saramago nunca tinha considerado as atrocidades que o seu velho amigo cometia? Nem na miséria em que vive o povo cubano há mais de quatro décadas? Condições de vida que, em tempo algum, poderiam ser explicáveis pelo embargo americano... É que convém não esquecer que Cuba é livre de negociar com toda a Europa e Ásia e durante décadas recebeu fundos provenientes da pátria-mãe do comunismo.

Desculpe, caro leitor, mas, por vezes, parece ser preciso lembrar o óbvio.

A impunidade e o atraso na censura e reprovação referido no ponto seguinte, têm raízes em dois conceitos do século XVII e XVIII muito queridos da geração que na Europa detém o poder: – A intrínseca bondade do homem (Rosseau; «Le Discurs sur les Sciences»), por um lado, e a inevitável marcha para a sociedade sem classes (Marx; «O Capital») por outro.

São livros importantes, que marcaram uma era, e conceitos a serem estudados do ponto de vista antropológico.

O problema, caro leitor, é que ambos estão errados!!

Miopia à Esquerda
Numa «Visão», o semanário publicou, além da habitual revista, duas separatas. Uma com a análise da vitória do Dragão, um especial sobre as façanhas do FC Porto – aconselhável mesmo para os que não gostam de futebol, e que faz as delícias dos que vibram com os triunfos azuis e brancos, com histórias de bastidores e opinião de dragões «encartados» – e outra que pretende analisar o período de 1993 a 2003, intitulada «Uma Década em Análise».

Os «analistas» convidados pela «Visão», para procederem ao estudo do decénio – que marca também o aniversário da revista –, foram os seguintes: Boaventura de Sousa Santos (vinculado com espectro político-partidário da esquerda); Eduardo Lourenço (idem); Helena Roseta (idem, idem); Maria de Lurdes Pintasilgo (ibidem); José Saramago (sem comentários) e por fim Diogo Freitas do Amaral... algures no caminho entre o CDS, que há muito abandonou, e da esquerda folclórica.

Ora, nas legislativas de 2002, 40,15 por cento dos votantes escolheram PSD, 8,75 riscaram CDS-PP e 37, 8 quiseram PS. Uma parte significativa dos votos socialistas (metade, perto dos 19 por cento?) pertencem à faixa social-democrata do partido do punho e da rosa... E assim, devo presumir que a revista considera que nenhum dos representantes de uma larga maioria do eleitorado – é olhar para as percentagens e fazer as contas... – tivesse um ponto de vista aceitável sobre o decurso do último decénio.

A «Visão» de «Uma Década em Análise» ficou claramente vesga com os textos publicados. Até porque, convém não esquecer que se o estudo aprofundado dessa década resultar no mesmo género de análise que estes opinistas propalaram acerca da guerra no Iraque, mais do que zarolha a «Visão» em análise ficou completamente cega.

O preço da liberdade

"Não há em Portugal, por parte dos magistrados, respeito pelos direitos dos cidadãos". Terá sido esta frase uma das que levou António Marinho a ficar do lado de fora da sede da Ordem dos Advogados. Júdice mandou-o embora a bem da serenidade e da paz no mundo judicial.

Só que ninguém cala o ex-presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem. Acusado de ter lançado atoardas no Parlamento – um espaço de total liberdade, onde os deputados gozam de imunidade parlamentar para que se possam insultar espontaneamente –, Marinho lavou a alma onde os tribunos lavam a roupa suja. Ora Marinho tinha algo do interesse público para contar. E para que não o continuassem a acusar de proferir «heresias» contra os altos magistrados da Nação, sem apontar exemplos para aquilo que o causídico defende ser a total "desresponsabilização dos magistrados envolvidos na prescrição de processos" ou na forma «insensata» como juízes "atiram pessoas para a prisão preventiva", António Marinho concedeu à RTP 2 uma entrevista de 25 minutos recheada de casos concretos. A culpa foi da pivot Márcia Rodrigues que insistiu...

E os casos, que o ex-presidente conhece bem, foram-se sucedendo com uma certeza insofismável que manteve inabalável o jurisconsulto, numa das frases mais bombásticas que ouvi na televisão – ainda por cima pública – a horas decentes: "Conheci pessoas antes do 25 de Abril que tinham coragem para defender a liberdade, e que agora se acomodam, com receio do que lhes possa acontecer à carreira ou mesmo ao emprego". Para Marinho é claro como água: "O preço que se pagava no tempo da ditadura [para defender a liberdade] em alguns casos não é superior ao que tem de se pagar pela liberdade de expressão no actual Estado de direito democrático".

Depois de ter dito pela primeira vez tudo o que lhe ditava a consciência sobre a falta de transparência no mundo da magistratura, Marinho pagou – frente a todos os que fazem parte desse Estado democrático – o preço da liberdade. Diz-se disposto a continuar, nem que "fique sozinho". Neste "sistema que é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros", todos pagamos o preço dessa liberdade. Estranho, não?

A Arte
"Ninguém, jamais, escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu, inventou, a não ser de facto, para sair do Inferno". A frase é de Antonin Artaud, o homem que "picava" a cabeça com uma faca, em pleno no palco, frente a uma assistência incrédula. O homem que fazia tudo para sair do inferno.

O Porto, segundo Artaud, saiu do inferno. Porque se tornou jovem ao conhecer, porque colheu sabedoria e "armazenou suavidade para o amanhã". Foram as manhãs e as noites que entusiasmaram Paul Thomas Anderson quando deixou Lisboa para rumar ao Porto e conhecer o que se faz por cá.

A revista «Wallpapper» aguçou o apetite do realizador de Magnólia – com um artigo de quatro páginas sobre o pós-capital Europeia da Cultura – e fê-lo deixar a cidade onde foi promover o seu último filme. Para procurar arte, para procurar vida. É sabido que a rigidez orçamental da Câmara do Porto, fez o autarca Rio esquecer as virtudes da cultura. O "pão" é mais importante do que o "circo", pensa o economista. Pensa bem. Sem "pão" não há "circo". Mas sem "circo" não saimos do inferno.

Artaud era louco, mas suficientemente lúcido para procurar a paz na arte. Como faz Anderson quando durante dois dias observou a luz do Porto, as igrejas, as exposições, os bares onde fervilham ideias, onde cresce o entusiasmo da juventude na procura por algo novo e brilhante. Anderson veio "undercover" à procura de uma cidade "cheia de segredos". A "secret town" pode bem ser o próximo nome do seu filme. O Porto tem qualidade cinematográfica, diz o californiano que se apaixonou pela Invicta como tantos outros portugueses, coleccionadores de fotografias e de pedaços da cidade. A arquitectura entusiasmou-o, Serralves também, a Ribeira é "enigmática" e a Casa da Música "irreverente".

O Porto 2001 tornou o "burgo" conhecido nas páginas das revistas internacionais. O suficiente para despertar a curiosidade de um dos mais promissores realizadores da actualidade. Só nós é que não vemos nada disso, pois não?

Lenda de Guerreiro

Há homens que são apanhados nas esquinas da história. Na dobra dos tempos. Apanhados por factores que não controlam, que não compreendem. Apanhados por mudanças inesperadas. De alguma forma, todos já passamos por isso. Por situações que não controlamos – de repetente o «tapete» que tínhamos debaixo dos pés foge sem razão. Dúvido, no entanto, que algum de nós tenha sido apanhado assim nas dobras da História com a força impediosa com que a mudança atingiu Marcelino da Mata, o tenente-coronel do Exército português, de origem guineense que lutou na guerra do Ultramar durante 14 anos, sem parar, e que chegou à metrópole numa maca. Marcelino, o guerreiro mais medalhado do exército português. Um homem que, acima de tudo, se considerava português. Um herói nacional, condecorado sem fim pelo Estado Novo. Um dia passou de herói a traidor. Traidor a uma pátria que tinha mudado de rumo sem o avisar. Marcelino é agora um homem que se senta no banco do tribunal da Boa Hora para testemunhar no caso da Moderna. Um homem que se viu compelido, 30 anos depois das medalhas, a fazer segurança para uma empresa privada. Um herói nacional, caído em desgraça, por um regime que lhe trocou as voltas, na esquina da história. Conta Freire Antunes que Marcelino da Mata fazia "denodadamente a guerra partindo da noção de que quem tinha medo morria depressa. O (então) Alferes Marcelino da Mata, um supermedalhado do Exército, detentor da Torre e Espada, comandou grupos especiais (de autóctones da Guiné) em múltiplas acções de combate e destaca o esforço desses homens que se sentiam portugueses. Foi um dos expedicionários a Conakry. Veio para Lisboa numa maca". Está agora na Boa Hora, a testemunhar no caso da Moderna, negando envolvimento na tomada da Dinensino e garantindo que apenas vigiava a empresa de segurança que operava na universidade. Marcelino da Mata é o homem capturado nas dobras do tempo e na esquina da história. Atingido pelos alcatruzes da nora. Sem dó, nem piedade.

Estaline

Estaline morreu a 5 de Março de 1953. Por altura do quinquagésimo aniversário da sua morte, não tenho dúvidas de que morreu tarde demais. Num regime odioso como tantos outros que proliferaram e espalharam o terror pelo mundo, o da ex-URSS, sob o domínio de Estaline revela uma particularidade que o torna especialmente odioso: o da assassinar compulsivamente os que lhe são próximos – os adversários, os indiferentes e os companheiros. Estaline fundou um regime que se baseou na autofagia e protagonizou, nesse sentido, um regime mais odioso do que o de Lenine, ou de tantos outros da extrema-esquerda à extrema-direita. Porquê? Porque se firmou na expurgação autofágica, em que do número 2 da hierarquia ao último da escala, ninguém estava a salvo da «guilhotina» [leia-se dos trabalhos forçados do Gulag ou do fuzilamento, após tortura]. E foi esse clima de terror constante que cimentou um regime e Estaline no poder. Um clima de terror que se espalhou como um denso nevoeiro: o terror era a argamassa de um sistema, que continha as pessoas e fortalecia o poder do grande timoneiro. A ele não escapavam os dirigentes do partido, nem as famílias das mulheres com quem casou, nem mesmo aqueles que infligiam esse terror, que ciclicamente os devorava. Lendo Ribakov, observamos incrédulos que entre 1937 e 1939 foram fuzilados e condenados a trabalhos forçados 20 mil tchekistas (membros ligados à segurança do Estado) e entre esse contam-se chefes do N.K.V.D., como Iagoda e Iejov. A propósito destas duas sinistras personagens, a revista do «Público» de 2 de Março assinalou a efeméride da morte de Estaline, num louvável artigo de história – porque é sempre bom aprender mais –, mas cuja virtualidade esmorece ao focar a atenção na vida particular de Estaline. Aí imputa injustamente a Beria (sucessor de Iejov) o suicídio da segunda mulher de Estaline. Ora Nadia morreu em 1932 e só seis anos mais tarde Beria chegaria a Moscovo como director do N.K.V.D. Da morte de Nadia, Beria não tem culpa. Já lhe bastam os horríveis pecados que realmente cometeu.

Três para 2003
Dez discos. Dos dez do meu ano de 2003, escolho três, por ser «a conta
que Deus fez». Escolho Zwan, por ser o primeiro e o último, escolho Maria Rita, porque os genes são uma coisa extraordinária, e os «Tribalistas» porque aqueles três - claro - são um sonho, quando juntos. Mas da minha lista revivalista - a idade não perdoa e a minha idade que não consta no B.I. está perto dos 50... - a maioria dos eleitos são «best of» e colecções que remontam à década de 80 ou ainda antes.

Em «A História da Sétima Legião II 1983-2003» dos Sétima Legião, volto aos tempos de garagem, ao recreio do liceu onde passava música com colunas impróprias. «Mary Star Of The Sea» dos Zwan recordo o Coliseu dos Recreios num dia de Janeiro invernoso e chuvoso onde planei quando o Billy Corgan olhou para os camarotes para cumprimentar a manager que se contorcia ao meu lado. Onde estiver o Corgan eu também estou. Por mais que Zwan não se compare a Smashing...

Em «We´re a Happy Family - A Tribute To The Ramones», lembro-me do meu irmão nos tempos de liceu, quando criou os «Frakturados»... Em «Natural» de Celso Fonseca descobri uma voz que faz eriçar os pelos do braço esquerdo. E em Fiona Apple a voz grave, drástica e dramática de uma cantora que conhece os tons graves como ninguém. «Irmão do Meio» é mais um de Sérgio Godinho. Na minha opinião de especialista em Godinho é o pior dele. E mesmo assim é bom.

«Tribalistas» é para ouvir sem enjoar à espera que Mariza Monte edite mais um. «Maria Rita» é a certeza de que os genes fazem toda a diferença. E de que Maria Rita pegou onde Elis Regina deixou. Os trejeitos, a voz, o fraseado... é a mãe que regressou num corpo remoçado... «White Stripes» vale pela música. E pelos telediscos.

Não podia falar só sobre discos. Era preciso pelo menos um cheiro de cinema para que a felicidade da sobrevivência fosse completa: «Mystic River» pelo Clint Eastwood e a completa falta de esperança; «28 dias depois» porque o fantástico merece sobreviver e porque o realizador de «Trainsppoting» sabe fazer cinema; «25 horas» é Edward Norton no seu melhor e Spike Lee, as usual, no pior do ódio. Felizmente. E «Inadaptado», porque somos todos. Percebi que Cage também é.

Toda a verdade. Toda a verdade sobre o «Jornal de Notícias» e a notícia da carta anónima. Toda a verdade sobre o que realmente se passou para que o dito jornal envolvesse o Presidente da República no escândalo Casa Pia. Afinal, segundo o director-adjunto António José Teixeira, o «JN» queria apenas desmascarar a má prática da Justiça, que anexa aos processos as cartas cobardes. Mais nomes poderiam ser publicados. Não foram. Só socialistas surgiram envolvidos. Porquê? Pois bem, a pergunta é retórica. Mas com excepção de um ex-jornalista, que falava num debate na ntv, mais ninguém roçou sequer a verdade. E a verdade é simples, como sempre aliás. O «JN» sempre teve relações privilegiadas com o PS. E o PS - D (D stands for Desesperado) precisava urgentemente de encorpar a velha história da teia urdida para tramar os bons e ímpios do regime democrático, que persegue a via do socialismo.

Algo poderia resultar melhor para adocicar a história da cabala do que envolver o nome do Chefe de Estado? Claro que não.

E Sampaio veio ao País, on nacional tv, não defender o bom nome do cargo que desempenha, mas defender-se. Em causa própria, o cenourinha falou 10 minutos à Nação. A Pátria parou para o ouvir falar. Não valia pena.

Espero que o Jorge tenha feito o que devia: puxar as orelhas aos socialistas que pediram para que a história fosse publicada, levando ao rubro o País, que só pode imaginar que os facistas andam por aí a tentar destruir um partido com estórias macabras de criancinhas comidas ao pequeno-almoço. O Povo é sereno. Mas não é estúpido.

O Primeiro Gomo da Tangerina

Todos vieram
ver a menina
ao primeiro gomo de tangerina
menina atenta
não experimenta
sem primeiro
saber do cheiro
o sabor dos lábios
gestos sábios

Fruta esquisita
menina aflita
ao primeiro gomo de tangerina
amarga e doce
como se fosse
essa hora
em que chora
e depois dobra o riso
e assim faz seu juízo

Sumo na vida
é o que eu te desejo
um beijo um beijo

Ah, que se lembre
sempre a menina
do primeiro gomo de tangerina
p'la vida dentro
é esse o centro
da parcela da vitamina
que a faz crescer sempre menina

A terra é grande
é pequenina
do tamanho apenas da tangerina
quem mata e morra
nunca percorre
os caminhos do que há de melhor
nesse sumo
a vida, gomo a gomo

Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo

Letra e música: Sérgio Godinho